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A interpretação na orientação pelo real

Samyra Assad (EBP/AMP)
Kandinsky, “Ineinander (Intermingling)” (1928)

Pergunto-me se o fato de que o “O interpretador é o analisando”, tal como Lacan o diz na página 224 em seu Seminário 19, “…ou pior”, corresponderia a uma interpretação simbólica, que se dirige à verdade, via uma interpretação que se dirige ao ser, à ficção.

Ainda que isso faça parte de um percurso analítico, essa proposição me fez pensar em um passo além, já que o Seminário 19 antecede ao último e ao ultimíssimo ensino de Lacan, a partir do desenvolvimento da noção do UM, de uma ex-sistência que faz parte do corpo como suporte do discurso, terreno primitivo da marca de uma língua.

Podemos dizer que uma passagem se coloca no ensino de Lacan, ou seja, da interpretação que se dirige à verdade para aquela que se dirige ao gozo. Há uma trajetória cujo vetor parte da ficção para chegar à fixação dos pontos libidinais, de acordo com o estatuto e o momento de se abranger o que uma interpretação visaria atingir.

Se do lado da interpretação simbólica situamos uma necessidade ligada ao sintoma, poderíamos dizer que a interpretação, por exemplo, pelo equívoco, se situa em uma contingência que pode atingir o trauma da língua ligado de algum modo ao sinthoma? Se essa interpretação pelo equívoco visa o gozo, quem seria o intérprete? Suponho que seja o dizer associado à hiância da estrutura, via uma irrupção, a partir da qual o lugar do sujeito é marcado por uma ausência.

Aliás, quando Lacan vai tratar a origem de um discurso a partir do discurso analítico (o único que não é comandado pela verdade e sim por um semblante em sua relação com o nada), ele ressalta a importância de se distinguir a “hiância que existe entre o nível do corpo, do gozo e do semblante e o discurso”, para enfim, indicar que: “Lidamos aqui com outra coisa, que tem nome: a interpretação”[1]. A interpretação, assim, estaria aliada à hiância que constitui uma estrutura de onde se extrai a realidade de um dizer.

É justamente nesse ponto que salto para o Seminário 21, para retomar a equivalência material de um equívoco, a partir da ex-sistência de lalíngua: “É ela que determina como parasitário no Real o que tem a ver com o saber inconsciente”[2].

Bem, é por esse caminho que trabalho no cartel fulgurante para a V Jornada da EBP-Seção Sul, “Discursos e Corpos: a causa do dizer”, agradecendo desde já aos colegas por esse convite ao trabalho.


[1] LACAN, J. – O Seminário, livro 19: … ou pior. (1971-1972). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012, p. 223.
[2] LACAN, J. – O Seminário, livro 21: Os não-tolos erram – lição de 11 de junho de 1974.
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