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A interpretação e seus entre-laços

Verónica Montenegro
Picasso, “Girl before a mirror (1932)

Quando recebo o convite para fazer parte do cartel fulgurante sobre o eixo clínico, tive um equívoco na leitura do título, no lugar de ler o interpretador é o analisante, “é” como um verbo, li no sentido de adição como um “e”, o que rapidamente me levou à pergunta: o interpretador escapa ao analisante? Logo pensei: pois quem interpreta é o inconsciente. Este equívoco já iniciou a minha questão no cartel que, se enlaçando aos momentos onde o eixo aponta à “leitura do que se escreve no corpo”[1], seguiu a sua construção com a seguinte citação de Miller: “Bem-dizer e saber ler estão do lado do analista, é seu apanágio, mas ao longo da experiência, trata-se de que o bem-dizer e o saber ler se transfiram para o analisante.”[2] Este bem dizer e saber ler ressoam também com a pergunta que Liège coloca: “Como orientar-nos na clínica, visando a hiância da boa maneira?” Então, como perguntarmos sobre o estatuto desta “boa” maneira ou do “bem” dizer sem cair num binarismo com um outro lado ruim ou errado? Brodsky[3] aponta que o bem dizer lacaniano inclui o indizível, que não pretende tamponar a falha no saber, um bem dizer que abre o furo. Poderia isto apontar a hiância de uma boa maneira? Como se daria então esta travessia entre o analista que segue ao analisante interpretador e também orienta e transfere este saber ler e bem dizer? Trataria-se de um ponto onde o lugar do analista orienta a direção da cura, e outro ponto onde, advertido da atenção flutuante e da sua posição como semblante, se deixa orientar pelo analisante? Já que, em última instância, é ele quem interpreta. Podemos chamar a este movimento de uma certa tensão, ou são apenas diferentes dimensões de um mesmo ponto em relação à posição do analista? Como pensarmos estes entrelaços? Para finalizar uma citação de Miller em Ler o sintoma: “No campo da linguagem, sem dúvida a psicanálise se inicia com a função da fala, mas ela se refere à escrita. Há uma distância entre falar e escrever, speaking and writing. É nessa distância que a psicanálise opera, é essa diferença que a psicanálise explora.”


[1]https://ebp.org.br/sul/eventos/jornadas/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-eixos-tematicos/5a-jornada-da-ebp-secao-sul-discursos-e-corpos-a-causa-do-dizer-eixos-tematicos-eixo-1-o-interpretador-e-o-analisando/
[2] MILLER, J.-A. Ler um sintoma. In: Opção Lacaniana – Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. n.70. São Paulo:  jun. 2015, p. 13-22.
[3] BRODSKY, G. apud TARRAB, M. Leer y escribir en psicoanálisis: puntuaciones millerianas/ Mauricio Tarrab; Silvia Salman. Olivos: Grama Ediciones, 2022, p.91.
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