#04 - SETEMBRO 2024
A jornada da formação
Gresiela Nunes da Rosa
Membro da EBP/AMP – Coordenadora da 5ª Jornada da EBP-Sul
O trabalho do psicanalista é solitário. Estando ele no seu consultório privado ou mesmo trabalhando em instituições multiprofissionais, ao fim e ao cabo, seu fazer, seu ato, será sempre o ato de Um sozinho.
Esta solidão não está presente apenas no ato (no fazer prático do psicanalista), ela está em toda parte, inclusive na formação do psicanalista, pois tem algo de impossível de se ensinar nesta função. No texto “A formação do analista”, Miller (2003, p. 29) nos diz:
“Trata-se então de considerar bem mais os analistas um a um, já que cada um está sozinho, às voltas com a experiência e com a psicanálise, que se trata para cada um de reinventar. Em seu último ensino, Lacan chegou até aí. Ele surpreendeu todo um Congresso que se realizava sobre a transmissão fechando com a consideração de que a psicanálise não se transmitia, que ela só se transmitia desde que cada um a reinventasse.”
Lacan colocou esta questão da solidão de muitas outras maneiras: quando disse que um analista se autoriza por si mesmo (2003, p. 314), quando no ato de fundação da Escola disse “fundo, tão sozinho como sempre estive na minha relação com a causa psicanalítica”, ou também quando disse sobre seu orgulho do poder de ileitura que soube manter intacto em seus textos (2003, p. 379). Mesmo aí, nas leituras dos textos, nos estudos, é preciso colocar algo de si que não seja a ilusão de que se compartilha os sentidos. Tanto em sua prática, como em sua formação, há algo intransponível em relação à solidão.
Junto com isso, com o anúncio do caráter solitário da prática e da formação, Lacan também nos disse: “deve renunciar à prática da psicanálise todo analista que não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” (1998, p. 321). Neste sentido, como se trata de um horizonte, sabemos que se trata de um lugar ao qual não se chega jamais. Isso sustenta o fato de que a formação do psicanalista é infinita. Não só porque em relação ao inconsciente ninguém nunca está em dia, como porque a subjetividade de uma época é algo que não cessa nunca de se alterar.
Então temos por um lado essa solidão e por outro a necessidade de estarmos à altura da subjetividade de nossa época. Podemos concordar que estas duas coisas parecem complexas. É aí que a Escola, uma comunidade de analistas que se sustenta como um conjunto de uns sozinhos, apresenta-se como saída. A Escola nos põe a trabalhar. E juntos! Aqui estamos nós! Trabalhando em torno de uma Jornada, evento proposto por uma seção regional da Escola, no nosso caso, a Seção Sul. A Jornada é então uma forma de fazermos laço, entre nós, tendo a psicanálise como causa.
No modus operandi da formação proposta pela Escola temos, entre outras coisas, um tema que orienta nossos estudos ao longo de um tempo. Este tema, que se transforma no título de um Congresso, de um Encontro, de uma Jornada, é, em geral, gerado pelo que concerne à nossa prática tendo como horizonte a subjetividade de nossa época. Quer dizer então que nosso trabalho na preparação e efetuação de uma Jornada, como por exemplo essa que aqui estamos lançando hoje, é nossa maneira de fazer laços em torno do que nos concerne como analistas, de não estarmos sempre sozinhos e também trabalharmos para alcançar em nosso horizonte a subjetividade de nossa época.
O evento então é um chamado. Um chamado para o trabalho que é sempre ativo e pode se dar de muitas maneiras. Temos como política de trabalho que uma Jornada não é apenas um evento, mas é uma jornada mesmo, um caminho, que mesmo que queiramos chegar aos dias do evento principal, e os preparamos como se prepara uma grande festa, sabemos que uma jornada se faz ao caminhar. Por isso, de hoje até o dia 04 de outubro teremos muito com o que trabalhar. Do nosso lado também para preparar essa grande festa, mas convocamos a todos para deixar que o tema da Jornada os ponha a trabalho, ao estudo.
Uma jornada não se faz sozinho e posso dizer que já temos pelo menos 40 pessoas envolvidas diretamente com a preparação desta. Mas chamamos todos para o trabalho e nossa sugestão é que se reúnam em cartéis (esse tipo de grupo de estudos criado por Lacan) e que a partir daí possam trazer suas ideias, escritos. Submeter trabalhos para a apresentação no grande evento, ou talvez antes, em algum momento que ainda podemos inventar. Fazer desta Jornada uma parte da jornada da nossa formação que é infinita.
O convite que recebi para exercer a função de coordenar a 5ª Jornada da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise foi uma grande surpresa, ao que agradeço com uma imensa alegria à Diretoria da Seção por esta oportunidade. E desde meu primeiro movimento para começar a construir esse evento eu tenho recebido Sim. Muitos sins. O primeiro sim que recebi foi ao convidar Graciela Brodsky para ser a conferencista principal da Jornada. Quem já a conhece sabe que maravilha é a oportunidade de poder escutá-la, quem ainda não a conhece, não perde por esperar. Organizar tudo isso tem sido ao mesmo tempo fácil e trabalhoso. Trabalhoso, porque para produzir todas estas coisas é preciso movimentar o corpo e fazer laços e fácil porque estou trabalhando com gente magnífica – disposta, criativa e inteligente.
Na Comissão epistêmica temos a coordenação de Nohemí Brown que trabalha com Cinthia Busato, Flávia Cera e Liège Goulart para nos trazer a argumentação e os eixos de pesquisas desta Jornada. O que dirigirá nossos estudos para que possamos sustentar nossa prática à altura do horizonte de nossa época. Na Comissão de divulgação temos a coordenação de Diego Cervelin que trabalha com Licene Garcia, Luciana Romagnolli, Priscila de Sá Santos e Valéria Beatriz Araujo. Toda essa beleza que vocês estão vendo, o cartaz, o teaser, o marcador de páginas e muitas outras coisas que ainda virão, é fruto destas cabeças absolutamente magníficas. Na comissão de acolhimento temos Juliana do Rego Silva trabalhando com Andrea Tochetto, Cauana Mestre, Maria Luiza Rovaris e Mariana Queiroz. Elas estão preparando toda uma logística para o evento que fará com que ele seja a grande festa. Desde já elas já nos anunciam a beleza do que virá com a apresentação da playlist da Jornada que vocês podem encontrar no Spotify e se deixarem dançar muito. Na Comissão de referências bibliográficas temos a coordenação de Vêronica Montenegro, trabalhando com Mauro Agosti, Leonardo Mendonça, Priscila de Sá Santos, Rafaela Maester e Soledad Torres. Eles nos trarão as referências que poderemos utilizar para encontrar um ponto de ancoragem para nossas pesquisas durante todo esse ano, e os ajudarão no importante trabalho de garimpar nos textos aquilo que nos orienta. Na Comissão de Boletim, esse importante material que recolherá textos e toda a produção que se decanta do nosso trabalho, esse importante material que recolherá textos e toda a produção que se decanta do nosso trabalho temos a coordenação de Juan C. Galigniana que trabalha com Andrea Tochetto, Luciana Romagnoll, Paula Nocquet e Silvia Lazarini.
Este ano contamos ainda com outra equipe que me alegra particularmente, que são os coordenadores de retransmissão. Eles são os responsáveis por organizar este evento em outras cidades que não apenas as capitais, Florianópolis e Curitiba, como estávamos até há pouco habituados: Rafael Marques Longo e Paula Nocquet em Joinville, Sandra Regina de Souza Cruz em Tubarão, Paula Goulart e Marli Machado em Londrina, Priscila de Sá Santos e Silvia Lazarini em Ponta Grossa. Sabemos que o som e imagem não saem perfeitamente, que alguma coisa se perde. Mas estou aqui apostando nos ganhos, apostando que se é possível uma transmissão da psicanálise, ela se dá no ato de fazer, no estar em torno, no colocar os corpos presentes como é possível. E nosso trabalho, esse trabalho impossível de transmissão, consiste permanentemente em espalhar a peste. Hoje estou feliz porque essa peste está entre nós, na região Sul, mais espalhada do que nunca. Que a peste se transmita e que vocês, e ainda outros, sejam contaminados.