Gustavo Ramos (EBP/AMP) Teresa Pavone (EBP/AMP) O VI Boletim da Seção Sul, assim como…
Autismo e posição do sujeito diante da linguagem
Diego Cervelin[1]
Neste ano, as Noites de Biblioteca da Seção Sul da Escola Brasileira de Psicanálise recomeçaram na data de 29 de março. Na primeira delas, Patricio Álvarez Bayón, AME, membro da EOL e da AMP, retomou alguns aspectos centrais do livro El autismo, entre lalengua y la letra, publicado pela Grama Ediciones, em 2020.
Com sua transmissão generosa em torno do autismo, conjugando bom-humor e atenção aos detalhes, Bayón também abriu espaço para destacar aquilo que está em jogo na análise do sujeito assolado pelo gozo, algo que depende das contingências do encontro com um dizer. Ou melhor, um dizer que ressoa, desdobrando-se como significação recalcada, forcluída ou denegada (tal qual ocorre, respectivamente, na neurose, na psicose e na perversão), ou então enquanto murmúrio incessante de lalíngua (mais ou menos como acontece no autismo, quando há um congelamento diante da linguagem, fazendo com que se permaneça em posição de estrangeiridade).
Em sua apresentação, Bayón percorreu os três momentos em que Lacan manifestou alguma referência mais direta aos sujeitos autistas. Ou seja, no Seminário 1, em 1953, quando, no comentário ao caso de Roberto, Lacan dava destaque ao “estado nodal da palavra”[2]; na “Alocução sobre as psicoses da criança”, de 1968, quando ele retomava as diferenças entre taceo (calar) e silet (silenciar), falando do “mutismo [que] solta uma fala mais primordial do que qualquer mom-mom”[3]; e em “A terceira”, de 1974, quando ele se perguntava sobre “como pode lalíngua precipitar-se na letra”[4].
Essas três ocasiões, de acordo com o convidado, demonstrariam um interesse especialmente atento às posições que os sujeitos poderiam assumir diante da linguagem, dando lugar ao singular da experiência em vez de simplesmente determiná-lo pela estrutura na qual cada um poderia ou não se inscrever. Para falar com outras palavras, não seria essa uma boa maneira de testemunhar – em um só tempo – a ética da psicanálise e a procura por um discurso que não fosse do semblante?
Assim, partindo das primeiras formulações daquilo que viria como S1, lalíngua e escrita selvagem do sintoma, Bayón destaca alguns pontos de orientação para ler apesar daquele acidente que, manifestando-se como forclusão do furo[5], não permite ao sujeito autista fazer da linguagem uma elucubração de saber sobre lalíngua. Trata-se, portanto, de uma abordagem que, por um lado, não se pauta pelos critérios fenomênicos utilizados na psiquiatria e que, por outro, tampouco se limita aos parâmetros da tríade estrutural característica do primeiro ensino. Diferentemente disso, aposta-se antes em um estudo detalhado, por exemplo, dos conceitos de lalíngua, letra, furo e borda a fim de perceber como os encaminhamentos da clínica podem conferir dignidade às suplências elaboradas por cada sujeito autista diante da iteração da letra[6].
Por fim, vale lembrar que essa conversa permanece disponível no canal da EBP –Seção Sul no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=E8mO6Mi3Or8&t=3661s