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O analista e a autorização do feminino

Nancy Greca de Oliveira Carneiro
Membro da EBP / AMP Seção Sul
Arte: Marinela Goulart

Na Atividade da Noite da Biblioteca da Seção Sul, realizada no dia 20 de abril deste ano, recebemos Graciela Bessa, Membro da EBP / AMP MG e atual Diretora de Biblioteca da EBP, para conversarmos em torno de “O analista e a posição feminina”. Graciela Bessa tem um extenso e minucioso trabalho sobre o feminino em Lacan, sob a ótica da lógica e, em particular, uma preciosa elaboração sobre o quantificador ‘não todo’ abordado no Seminário XX[1] e no texto “O Aturdito”[2].

Teresa Pavone, em sua abertura, apresentou a proposta que partiu de algumas premissas centrais extraídas do livro “A Psicanálise e a escolha das mulheres” de Éric Laurent.[3] O convite tomou como premissas as questões formuladas nos capítulos do “Super Eu feminino”, “A resposta do analista ao chamado do gozo” e “Posições femininas do ser”. Laurent destaca que diante do chamado imperioso e ameaçador do Super Eu feminino, Lacan anuncia que o que há de se restaurar é a relação com o S(A/), com a inconsistência do Outro, com o indemonstrável, com o indizível, a relação com a incompletude do Outro.                                                

Laurent ressalta que Lacan espera do psicanalista que ele saiba responder ao supereu feminino e que o analista pode devolver o supereu feminino à verdadeira lógica da posição feminina, que é a de denunciar os semblantes que visam a uma consistência qualquer do Outro. Explicita que existe a presença de um gozo impossível, de um resto irredutível, inassimilável, que faz cair os semblantes e desnuda o real, abrindo um novo caminho para a palavra.

Graciela inicia por destacar com Miller que, na impossibilidade de definir o que é um analista, inseparável de sua prática, Lacan o apresenta pelas vias do desejo do analista, do discurso do analista e do ato analítico.[4] Ao longo de sua fala, localiza o desejo do analista como um desejo inédito, e tal como o feminino, da ordem da contingência, ambos abordados à luz dos conceitos de real, de vazio e de furo.

Inicia por situar o desejo do analista pelo que ele não é: desejo de ser, desejo de saber, desejo do inconsciente ou de produzir o inconsciente, o que resultaria em uma análise interminável. E termina por apontar sua causa na impossibilidade da escritura da relação sexual e a esvaziá-lo de seu valor fálico. Finalmente, o situa como um desejo inédito que procede do encontro com o real e aspira obter a enunciação do que do gozo é impossível de simbolizar: um resto.

Em uma segunda perspectiva, aborda o discurso do analista sublinhando que nele há uma relação de impossibilidade entre S1 e S2 e onde o analista, na posição de objeto, oferece-se como semblante de objeto, posição esta que impede que a identificação opere. Ocupar a posição de objeto para obter efeitos sobre o gozo. Desta forma o analista não se destaca de sua prática e sua presença se dará pela contingência. É no significante S(A/) que o analista poderá renunciar a sua condição de sujeito ao dirigir um tratamento.

Nesta relação de impossibilidade entre S1 e S2, esvaziada de significação, situa-se também o lado feminino. O feminino abre a via para o ultimíssimo Lacan. Há um intransponível que está para todos e Graciela irá trabalhar as fórmulas da sexuação para que se localize este gozo contingente que não obedece à lógica universal da castração, um gozo que se experimenta no corpo. Segundo Miller, é por caracterizá-lo como puro acontecimento de corpo, não simbolizável, indizível, tendo afinidades com o infinito, que o situa como o paradigma do regime de gozo como tal.

O gozo feminino, para aqueles que o experimentam, só é possível dizer: existe! No diálogo do Um sozinho, a presença contingente do analista faz limite a esta satisfação. Finalizo com a questão: há algo da autorização do feminino na autorização do analista? Como cada sujeito se autoriza no feminino?


[1] Lacan, J. O Seminário Livro 20 Mais Ainda. Jorge Zahar Editor. 2 Ed. 1985.
[2] Lacan, Eric. O Aturdito. In: Outros Escritos. Jorge Zahar Editor, 2003.
[3] Laurent, Eric. A Psicanálise e a escolha das mulheres. Belo Horizonte, Scriptum, 2012. p. 176/177.
[4] Miller, J. A. El Banquete de los analistas. Ed. Paidós. 2011.
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