#05 - Outubro 2022
Super-visão ou super-audição?
Laureci Nunes
Membro da EBP/AMP
Na leitura do recém-lançado livro de Esthella Solano, Três segundos com Lacan, uma passagem em especial me saltou aos olhos: quando ela traz a sua experiência com Lacan, já não como seu analista, mas como aquele com quem ela esperava supervisionar a sua prática clínica.
Para além de que o convite ao controle tenha partido dele, a surpresa maior, e inicial, de Esthela deveu-se ao fato de que ele lhe apontou o divã ao recebê-la para esse encontro.
É muito interessante segui-la nesse percurso, a partir das deduções que ela extrai desse trabalho, que verifica estar em consonância com a posição dele como analista. Também no controle, Lacan só fazia valer a dimensão do ato. Sem lugar para elucubrações de saber, considerações diagnósticas ou deslizamentos em relação à intenção de significantização. Dele, ela nunca recebeu comentários ou recomendações. Tratava de fazer surgir o que ressonava do significante nesses encontros, qualificados por ela como deslumbrantes e instantâneos[1].
No estrito rigor materialista (mot-erialiste), “o controle se tornava uma superaudição pondo o acento sobre o que ouvimos como significante, isolado pelo corte, com o fim de fazê-lo ressoar como disjunto e sem ter relação alguma com o que significa”[2].
O termo superaudição, foi usado por Lacan em 1973, na conferência na Universidade de Columbia. Nela, discorrendo sobre a dit-mension, “endereço onde repousa o dito”[3], Lacan, num certo sentido, zomba do termo supervisão, dizendo tratar-se na super-audition o que ele realizava na prática do controle. Apontando que se o discurso analítico existe é porque é o analisante quem o tem, ele constrói um caminho passando sobre a questão da verdade em psicanálise, o lugar do pai, do corpo e sobre o estilo do analista em oposição a concepção de mundo e propõe substituir o termo inconsciente por ser falante. E, ao assinalar que, na falta de instinto, nossa reação é veiculada pelos significantes, acrescenta que eles se prestam ao equívoco e que “a interpretação do analista deve sempre levar em conta o fato de que, no que é dito, há o sonoro, e que esse sonoro deve ressoar com o que está envolvido no inconsciente”[4].
Conversando com colegas franceses sei somente agora que o modo como Lacan praticava o controle com Esthella Solano não era um caso isolado, ele assim agia sempre que se tratava de seus pacientes. Na análise, não se trata de um diálogo e nem se caminha na rigorosa direção do tratamento reforçando o sentido, dando asas ao inconsciente intérprete; o analista entra como parceiro na leitura em direção à letra, ao modo singular de gozo. Uma demanda de análise não se sustenta se estiver baseada no querer ser analista, mas sim quando se está decidido a tratar o sintoma[5]. Ambos, análise e controle, estão intrinsicamente ligados à formação do analista, ainda que o controle não seja uma análise continuada por outros meios[6]. Esses dois dispositivos dependem do trabalho sobre a fantasia fundamental, a pulsão e também do modo sinthomático[7] de praticar a psicanálise. Na contribuição aportada por Cottet, há um hiato entre ambos, sendo a análise “o lugar onde se revela o real do analista a advir (en devenir) e o controle […] o lugar onde se avalia a oportunidade de seu ato”[8]. Assim, para ele, a análise pessoal faz surgir o desejo do analista o controle contribui para a sua maturação, na operação que Cottet propõe chamar de “ retificação do eixo da escuta”[9].
Das suas diversas experiências de controle de Esthela, antes e depois de Lacan, ela enfatiza que não há standard; há o múltiplo, não só pelas diferenças de estilos dos analistas controladores, mas também pela temporalidade lógica do praticante[10]. Ela conclui que “o controle é o lugar onde se amarram o sujeito suposto saber ler e o sujeito suposto poder aprender a ler”[11] e, apoiada em Lacan no Seminário 25, se pergunta: se o controle “seria também o lugar onde se põe a prova que um analista depende da leitura que ele faz de seu analisante”[12].