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O Psicanalista no Social

Oscar Reymundo (EBP/AMP)

No trabalho no cartel, na função do mais-um, à medida que as elaborações de cada cartelizante avançava, eu ia definindo uma questão que, embora não fosse nova, desta vez se colocou de modo diferente.

De um lado, e desde suas origens, a psicanálise guarda uma estreita relação com a cultura a partir dos desafios que essa lhe apresenta e põe os analistas a produzir novas perguntas e respostas e, de outro lado, a psicanálise não se sustenta no “hiperurânio platônico”, esse céu onde todas as ideias estão reunidas. A psicanálise é sustentada por psicanalistas, tanto dentro como fora dos consultórios. Sustentada por psicanalistas quer dizer que o que se sustenta, a cada vez, é a ética do discurso psicanalítico, então, um modo de abordar a questão da relação do Psicanalista no Social é pelo viés de um laço que adquire vida quando encarnado num ato analítico sustentado pela presença de um psicanalista. Um analista é produto da experiência da própria análise, i.e., da experiência de vazio que significa uma análise a partir da separação de algumas identificações e insígnias[1]. Essa é a orientação pelo real e, neste caso, se trata de sustentar o vazio como orientação para a inserção do psicanalista no Social.

Em “Perspectiva de política lacaniana”, Miller assinala o ato político que significa saber falar a língua do Outro, e diz que – a tradução é minha – “Falar a língua do Outro, está certo, mas para lhe fazer escutar algo do que não quer escutar.”2 [2] Cabe acrescentar que não se trata de intervenções selvagens que produziriam surdez, mas de pontuações que surpreendam e convoquem o querer saber.

Na própria análise um analista faz essa experiência ética de decidir continuar sua análise sabendo que escutar o que não quer escutar nas suas próprias palavras, é o que permite essa análise avançar. Difícil e singular experiência que abre a possibilidade de produção de um novo saber sobre como se arranjar com o impossível, com esse real, com outros. Ato político que não se restringe ao consultório.

Uma psicóloga, que supervisionava comigo, me convidou para ter uma conversa com suas colegas de trabalho. Tratava-se de uma função terapêutica difícil de sustentar defronte à repetição que apresentavam várias das mulheres que, pedindo ajuda, frequentavam a instituição. Os significantes “impotência” e “fracasso” se impunham para nomear o mal-estar presente no trabalho das profissionais, e muitas vezes a angústia experimentada perante a insistência do que se repetia nas usuárias, dava lugar a conclusões precipitadas que produziam a desistência das mulheres que pediam ajuda. Foi necessário sustentar uma série de encontros para que um laço transferencial se instalasse e, assim, se tornar suportável o real que a psicanálise podia situar. Seguindo E Laurent[3], não se trata do analista levar e impor a desidentificação em toda parte, em particular, neste caso, não se tratava de uma operação selvagem de desidentificação com a posição do mestre no laço social, mas se tratava do analista situar as formas de segregação que, em nome de qualquer universal, seja humanista ou anti-humanista, desconsidera o particular de cada caso. De fato, o S1, “empoderamento das mulheres”, segregava a possibilidade de algo escutar da posição de gozo de cada uma das mulheres que, reiteradamente, pediam ajuda.

A oportunidade de dar um lugar, nas profissionais, para o des-ser[4], surgiu de uma das psicólogas quem questionou a ideia do empoderamento como orientação do trabalho na instituição. Assim, “ser mulheres empoderadas”, imperativo que operava, com diferente intensidades no grupo, foi perdendo consistência e um furo no saber foi tomando lugar. Cabe acrescentar que consentir com o questionamento do S1 do empoderamento não foi unanime no grupo, e mesmo que o objetivo do trabalho analítico não fosse o consenso, não foi possível sustentar a conversação com todas as profissionais que iniciaram o trabalho. Foi desse jeito que surgiu o real que assinala o impossível do “para todos” homogeneizante próprio das psicologias das massas, um real que orienta o analista para não se extraviar no campo das identificações.


 

1 Mitre, J. El analista y lo Social, Olivos, Grama Ediciones, 2018, p 35.
2 Miller, J-A, “Perspectivas de política lacaniana”, in Freudiana nº 55. Barcelona, RBA Libros, S.A, pág 89.
[3] Laurent, E. “El analista ciudadano”, in A sociedade do sintoma, a psicanálise, hoje. Rio de Janeiro. Contra Capa Livraria, 2007, p. 142.
[4] Miller, J-A. “Um esfuerzo de poesia”, Colofón 25, Boletín de la Federación Internacional de Bibliotecas del Campo Freudiano, 2005, p.9.
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