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Letra, interpretação, posição do analista e o feminino[1]

Maria Teresa Wendhausen (EBP/AMP)

Pretendo neste trabalho pensar o tema da letra ligado à interpretação. Desta último venho me ocupando faz algum tempo. Dela pude, inicialmente, concluir que um dos seus aspectos fundamentais é o de deter o deslizamento incessante do significante numa análise.

Em seguida me questionei se é este aspecto que aproxima a posição do analista do feminino, a partir do que nos traz Bassols. Ele vai nos dizer que a frase que mais convém ao analista na posição feminina é aguardo mais não espero e que isto está na linha de um S1 que não espera um S2, “…o feminino é mais da ordem do contingente, não é nada necessário, é da ordem do encontro furtuito…O feminino, como posição mesma do analista, no que chamamos sua atenção flutuante – que é uma maneira freudiana de dizer “aguardo mais não espero nada” – em sua própria autorização no desejo que o sustenta, é desta ordem. Não esperem nada, só aguardem-no. Saibam que só tem que chegar…entre centro e ausência”.[2]

A meu ver, trata-se da interpretação como ato, aquela que opera um corte entre S1 e S2, que aponta o litoral, a letra, o furo da não relação sexual.

Neste momento procurarei responder a seguinte pergunta: qual a relação da interpretação com o saber ler e de que modo ela opera para que os significantes S1 isolados numa análise possam ser lidos como letra?

Seynhaeve nos diz que “uma análise é uma experiência de solidão subjetiva. Ela pode ser levada suficientemente longe para que o analisante seja conduzido a transpor o passo que consiste em isolar radicalmente o Um em relação ao Outro”[3].

Coloca que vai tentar situar este momento de virada em sua própria análise. Conta-nos que ele se deu numa das duas interpretações que dela destacou durante seu ensino de AE.

Como efeito da instalação da transferência, a partir do que situa uma primeira interpretação de seu analista, uma injunção: “você deve me falar de sua castração”[4], teve um sonho: “Perambulo pelo corredor do refúgio de la Sainte Famille , a maternidade onde minha mãe deu à luz a todos os seus filhos. Esse corredor tem a forma da letra L. Sinto uma necessidade premente de urinar. Os banheiros ficam no ângulo L. Penetro nos banheiros e me ponho a urinar. Não posso parar, a privada transborda e acordo a ponto de urinar na cama”[5]

Coloca que, assim sendo, o tratamento se apoiava imediatamente no significante mestre.

Dando um salto para a frente, observa que teria podido associar livremente ainda por muito tempo.

Situa uma segunda interpretação de seu analista, uma nova injunção. Assinala que foi aquela que permitiu que a análise se detivesse “você gosta muito de suas fantasias”.[6]

Desta interpretação diz que “ela cortou o élan do sujeito na direção do lugar do Outro, ou seja, na direção da suposição de saber e freou duradouramente seu movimento na direção da significação”[7].

E segue: “toda a associação significante tomou para mim o valor de gozo da falação (…) a intervenção do analista deixou o sujeito abandonado ao significante mestre a partir do qual tinha iniciado sua análise: a letra L. Nela situo a borda do tratamento, o ponto de reviramento da pulsão.”[8].

Pergunta-se como o significante se conjuga ao gozo do corpo e como o sujeito incorpora os significantes de sua história para tratar o gozo do qual ele é objeto.

Dá de sua história as seguintes coordenadas:

“Minha mãe e meu tio estavam apaixonados. Eles iam se casar. Porém, no início da Segunda Guerra Mundial, meu tio foi enviado à linha de frente. Ele foi ferido mortalmente. Contudo, antes de morrer, enviou uma carta a seu irmão Gaston. “Caro Gaston, aqui tudo vai mal. Se eu morrer, ocupe-se dela”. Essa injunção anterior ao meu nascimento dará lugar à união de meus pais. Assim, Gaston irá se tornar meu pai”[9]

E continua: “Ocupe-se dela” é uma injunção proferida à beira da morte. Eu encarnei então este L (a letra L ou seja, “elle” que, na língua francesa, metaforiza o feminino singular). L é o S1 do qual me apoderei para fazer dele o significante-mestre que presidirá meu destino e que me determinará como ser sexuado. Neste L maiúsculo se encarna o ser sexuado que sou e se enlaça o gozo do corpo a um significante primeiro”[10]

Voltando à segunda interpretação do analista, nos diz que “esse momento de corte em que pude apreender a dimensão mítica da minha história, do mito enquanto ele trata o real, em que pude apreender a natureza de semblante da cadeia significante, essa experiência irá subverter o sujeito suposto saber. Isolar o Um do Outro fez aparecer que toda elucubração de saber é, antes de tudo, produção de gozo”[11]

Retomando a questão colocada acima, eu diria, como hipótese, que o S1 desconectado do S2 ao confrontar o sujeito com o Outro que não existe irá permitir ler os significantes isolados de sua história como letra, isto é, “encontro material de um significante com o corpo, quer dizer, ao puro choque da linguagem com o corpo”[12]. Ler de outro modo.


REFERÊNCIAS
BASSOLS, Miguel. O feminino entre centro e ausência. Opção Lacaniana online n. 23, 2017.
MILLER, J.A. Ler um sintoma, Opção Lacaniana n.70, julho 20
SEYNHAEVE, B. A fala freada. Opção Lacaniana online n. 2, 2010
[1] Autora: Maria Teresa Wendhausen – Mais-um   Cartel: Percurso da Letra
[2] BASSOLS, Miguel. O feminino entre centro e ausência. Opção online n.23, julho 2017, p.12
[3] SEYNHAEVE, Bernard. A fala freada. Opção lacaniana online nova série, ano 1, jul 2010, p.1.
[4] Ibid., p.2
[5] Ibid., p.2
[6] Ibid., p.3
[7] Ibid., p.3
[8] Ibid., p.4
[9]  Ibid., p.1
[10] Ibid., p.2
[11] Ibid., p.5
[12] MILLER, J.A. Ler um sintoma, Opção Lacaniana n. 70, julho 2015.
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