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os caixotes com as indicações “mesa do escritório”

e “Homero e Hesíodo” para deles retirar e colocar

sobre a ampla mesa de fundo aquele material básico

já citado de dicionários, gramáticas, métodos de

Grego antigo, textos gregos (e suas traduções) a serem

lidos, e os comentadores mais importantes destes.

O que eu não iria utilizar de imediato tinha de ser

pacientemente recolocado em seus caixotes para não

bagunçar ainda mais o ambiente. Semelhantemente,

a procura do volume

Je déballe ma bibliothèque

, de

W. Benjamin, me fez revirar gozosamente (com

sua pletora de possibilidades) um setor germânico

da minha bibliotecazinha do quarto de dormir da

Venezuela 586 (com a etiqueta “quarto”), mas –

como eu não o achava – fui obrigado mais de uma

vez a recolocar todo o conteúdo de livros em seus

pequenos e médios caixotes de papelão, o que era

motivo apenas para me deixar saudavelmente

resfolegante e suando. Foi a partir destas primeiras

e inúteis buscas (mas que delimitavam bem um

setor de caixotes a não mais serem abertos) que

retirei, como uma espécie de ornamentais primícias,

os três volumes recém-citados de coletâneas de

poemas curtos “orientais” traduzidos para o francês

ou italiano. O resultado magro dessa operação era

apenas voltar ao estado anterior de um amontoado

de caixotes fechados num canto de sala.

Mas o que a impossibilidade física de consultar

a maior parte da minha biblioteca deixava claro

era o quanto eu passara a ser dependente (para

melhor pensar algum tema) de poder ao menos

localizar e abrir o livro onde eu acharia aquela

referência bibliográfica básica que poderia me servir

de primeiro suporte. Obviamente esta consulta

concreta era orientada por uma anterior memória

internalizada desta pequena biblioteca, fazendo

ver o quanto o pensamento (formado a partir de

hábitos bibliográficos acadêmicos) operava não

livre e ousadamente, mas apenas a partir de um

banco mínimo de dados sem os quais ele se sentia

desorganizado e como à beira do precipício da

desrazão.

Mesmo que de algum modo já soubesse que –

pela natureza mesma ordinária e utilitária da minha

biblioteca–eunãodeveria encontrar grande coisapara

pensar esta estranha experiência de (des)arrumação

dos livros no conhecido ensaio “Desempacotando

minha biblioteca” de Benjamin (que trata sobretudo

das aquisições), eu não conseguia abrir mão desta

consulta (ou leitura, pois o ensaio era breve) para,

ainda que em contraposição a ele (mas também

podendo dele me servir em alguma coisa), construir

com mais calma a descrição do que estava vivendo.

Semelhantemente, na organização (e possibilidade

de dispor) das coisas que compõem uma cozinha e

uma área de serviço, assim como um banheiro e um

guarda-roupa, estava a própria possibilidade de uma

vida minimamente normal, isto é: em que os objetos

úteis e necessários se tornam facilmente localizáveis e

são usados (sem que se pense muito neles) já dentro

do maravilhoso automatismo dos hábitos.

O que a mudança de casa (com o transporte

da biblioteca) potenciava absurdamente era a

percepção de que a vida prática cotidiana era um

constante (mesmo se mínimo) rearranjo das coisas

ou instrumentos dentro de um espaço delimitado.

Uma vida humana qualquer ordinária deixava-se ver

assim como uma rede de delicadíssimas orientações

e reorientações espaciais (segundo uma complexa

rede de projetos e tarefas, mais ou menos urgentes, a

realizar ao longo dos dias), sendo que uma biblioteca

permitia ao pensamento a materialização espacial das

coordenadas de um repertório básico de referências

(tornando-as presentes e ao alcance da mão), sem as

quais ele se sentia perdido e como se sob o ataque de

uma forte e contínua labirintite.

É certo que uma biblioteca se materializa

espacialmente segundo uma ordenação e disposição

dos livros (que pode se dar mais ou menos

rigorosamente segundo critérios diversos, como a

ordem alfabética, as literaturas em suas respectivas

línguas, os gêneros, os domínios temáticos, os

autores, e outros menos previsíveis e consagrados),

mas a dificuldade em achar o ensaiozinho (ou o

livrinho intitulado a partir dele) de W. Benjamin

nos caixotes parecia revelar antes uma confusão

(ou não respeito) do critério dos sítios ou lugares

da antiga casa em que os livros estavam (“quarto”,

“sala” e “escritório”), o que obviamente não quer

dizer que a ordenação mesma desta biblioteca

particular obedecesse rigorosamente a qualquer

critério simples ou composto (eu tenderia antes a