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A biblioteca de cada um
os livros que a gente (não)
joga fora
Para falar sobre os livros da “gente”, como Márcia Rosa nos convida a fazê-lo, vou tentar explorar um
pouco a prática com os livros, isto é, tentar evocar a relação íntima que cada um pode ter com este objeto.
Meus livros ficam na estante, mas sem nenhuma classificação preestabelecida. Tenho um critério
particular que muda de acordo com meus interesses e, apesar de desconhecer a lógica em jogo, raramente
não encontro um volume que procuro.
Fico mais tentada a classificá-los de acordo com sua escrita: alguns têm uma narrativa ou uma teoria,
histórias e conceitos com uma estrutura regular. Livros para serem lidos, interpretados, colecionados de
acordo com a ordem do Outro.
Outros são para “não ler”, inúteis, não sossegam nas prateleiras, são sempre excessivos. Para estes, é
preciso inventar como e o que fazer com eles, deixar a leitura ressoar ou, quem sabe, fazer um objeto de arte,
como o faz a artista plástica Leila Dazinger com os livros herdados e nunca lidos.
Nas estantes estão os livros para se ler e os “não para ler” (pas à lire). Existem os livros que nunca abri,
os que leio com frequência, e aqueles que leio apenas fragmentos esparsos; outros, leio com voracidade
repetidas vezes e, a cada vez, me parece um outro livro. Posso ler um livro sem compreender, pelo puro
prazer da leitura, sem me preocupar com o sentido.
A disposição dos livros em uma biblioteca particular faz um corpo, escreve uma vida e seus modos
de gozo, absolutamente singulares. Odeio generalizar, mas não resisto à ideia de que as bibliotecas são
arrumadas segundo o modo de gozo. As masculinas, mais organizadas – um, mais um, mais um... até não
acabar. Geralmente observam uma ordem alfabética ou temática, e os livros nunca são jogados fora. O estilo
masculino cobiça a biblioteca alheia e aprecia comparar o tamanho da sua biblioteca à do outro.
As femininas não fazem coleção porque caem no infinito que há entre dois volumes. Suportam não ler
um livro até o fim, descompletam suas bibliotecas ao dar um livro para um amigo que o cobiça e podem até
jogar fora um livro se as ideias do autor as insultam.