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Foi com os livros que atravessei um luto. Esses objetos, sendo lidos ou depositados ao redor, inscreviam
um corpo ausente. Laurent, em seu último livro, cita uma passagem de
Radiofonia
(
Outros escritos
, p. 407)
onde Lacan fala dos objetos fora do corpo encontrados nas sepulturas antigas – colares, copos, armas
ordenados pelo conjunto vazio das ossadas, como elemento irredutível. Esses subelementos estavam ali mais
para enumerar o gozo do que para fazê-lo reingressar no corpo. Talvez, em nossa cultura, os livros possam
ter essa função.
Busquei entre meus livros algo sobre as bibliotecas de cada um: o que se inclui e o que se joga fora.
Encontrei, na minha estante de inclassificáveis, um que nunca tinha lido – “
As bibliotecas plenas de fantasmas
”,
de Jacques Bonnet. Ele fala da própria loucura e da de outros com os livros. Entre as muitas histórias que ele
conta, traz uma passagem de “
Uma história da leitura
”, de Alberto Manguel:
Levantando pilha sobre pilha de volumes familiares [...] me pergunto – como faço
a cada vez – porque conservo tantos livros que sei que não os relerei nunca. E me
respondo que a cada vez que me desembaraço de um livro, percebo alguns dias mais
tarde que é precisamente aquele que eu procuro. Eu me digo que não existe nenhum
livro (ou poucos, muito poucos) nos quais não encontro nada que me interesse.
Concluo, portanto, que os livros não são de jogar fora, a não ser uma vez ou outra, por amor ou
por ódio, para presentear ou rasgar, conforme o caso. E na pior das hipóteses, nas fogueiras dos Estados
totalitários, como pôde constatar nosso querido Freud.
Para concluir, sugiro ao Conselho da Escola que inclua nas entrevistas de admissão de novos membros
uma questão sobre os livros e as leituras daqueles que se candidatam. Acho que os livros dizem mais sobre a
formação do que a publicação de textos universitários em revistas que ninguém lê.
Ana Lucia Lutterbach
Fragmentos de um texto apresentado na Biblioteca da Seção Minas
BH, 21 de maio de 2016