#05
Psicanálise e Política
Carla Serles (EBP/AMP)
O brocardo lacaniano “o inconsciente é a política” requer dos psicanalistas um constante aggiornamento, considerando-se que tanto o inconsciente como a política, são campos sensíveis às transmutações civilizatórias, sobretudo na época em que o Outro não existe.
A priori, esboçam-se ao menos duas questões: Qual ou quais concepções da política tem relevância para a psicanálise? Quais as formulações teóricas concernentes ao inconsciente são possíveis a partir desse
pressuposto lacaniano?
Miller diz que esse axioma é derivativo de outro preceito de Lacan: “O inconsciente é o discurso do Outro”². Nesse ensejo, o inconsciente é transindividual, faz “laço com o Outro, seja através do jogo significante, seja através do jogo com a letra” ³, o que exige do analista, em sua ética, um decidido interesse pela civilização e seus inerentes efeitos de mal-estar, bem como pela política, ainda que seja pela via do horror.
Logo, faz-se necessário não apenas estar à altura da subjetividade de sua época, como também saber orientar-se nela.
Aqui delineia-se mais uma interrogante: a partir de que viés o analista pode ser subversivo e, desse modo, contribuir com o futuro da psicanálise?
Éric Laurent alerta para os riscos aos quais se precipita um analista fechado em sua reserva e insensível às formas de segregação. Ele diz que se um analista não ultrapassar essa posição de suposta neutralidade, provavelmente, invalidará o seu papel histórico.
Segundo Marie-Hélène Brousse, a neutralidade do analista deve se restringir à relação com o eu e seu sonho de adaptação social e, com o supereu e seu imperativo de gozo.
Assim sendo, a política da psicanálise pode ser pensada como a política do sintoma, principalmente naquilo que o sintoma apresenta de desarranjo, disfunção e/ou refração às exigências do mestre contemporâneo. Esse mestre apresenta-se aparelhado com sua irredutível engrenagem de manipulação dos semblantes, engendrando o sequestro e o ofuscamento do sujeito. Ademais, produz-se uma homogeneização dos modos de gozo, em decorrência da incessante oferta do objeto a apenas como mais-de-gozar, desconectado de sua face de causa de desejo.
Outrossim, com o advento dos discursos das tecnociências e do capitalismo, a pólis se transforma, já que as redes se convertem no habitat predileto dos corpos falantes.
Esses processos determinam a anulação da divisão subjetiva e do “pequeno detalhe que faz a singularidade onde se aloja o sintoma”. ⁴
Sob a perspectiva da distinção do discurso analítico em relação aos outros discursos, a experiência de uma análise busca modificar a relação do sujeito com os significantes-mestres, modificar a posição do sujeito a
partir do lugar que ele ocupa no discurso do mestre”. ⁵ Dessa forma, “é isso que dá ao analista o dever de política: devolver ao sujeito a escolha decidida dessa relação com o significante-mestre”. ⁶
As últimas formulações sobre esse tema, no âmbito do Campo Freudiano, indicam que, a partir do ultimíssimo ensino de Lacan reputa-se uma política orientada para o real, em que se consideram “os elementos contingenciais instáveis e quase sempre contrários as normas dominantes”. ⁷
A prática da psicanálise orientada para o real, permite entrever que “o trabalho da assonância, quer dizer da materialidade sonora fora da tirania do sentido, pode promover a descoberta de novas formas de laço como guia”. ⁸
Tendo em vista os aspectos abordados, poder-se-ia propor a política do sinthoma ou do acontecimento de corpo? Esses são alguns dos inúmeros aspectos passíveis de serem abordados no tocante a esse eixo.
Esperamos acolher trabalhos que nos permitam avançar nessa discussão.