

O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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a psicanálise. Por isso Lacan pode dizer que ele deu a fórmula geral do escabelo,
deu-lhe uma consistência lógica, não renunciando a ele, mas indo até o fim: do
traumatismo inicial da lalíngua, do acontecimento do corpo que dele resulta,
leva-lo até uma espécie de eternidade.”
p. 15
Miller, J.-A. Sublimação = Escabelo. - Nota Passo a passo. In: O
Seminário: o sinthoma. livro 23 (1975-1976) de Jacques Lacan. Jorge
Zahar Editorial, Rio de Janeiro, 2007. Tradução: Sergio Laia
“(…) O recurso de elevação próprio à sublimação como operação
ascensional era sempre nomeado por Lacan como o conhecido termo
hegeliano de
Aufhebung
. Ele lhe dá em seu escrito “Joyce, o Sintoma o
nome mais expressivo de ‘escabelo’.
O escabelo enfatiza o corpo. Do mesmo modo, Lacan designa o sinthoma
como “acontecimento de corpo” enquanto definia o sinthoma freudiano
como “verdade”. Joyce, “herético”, partidário do
sinthoma-que-rola-como-eu-
te-impulsiono,
“faz decair o sinthoma de seu
masdiaquinismo”
. Mas isso não o
impede de querer se içar com seu sinthoma sobre “o SKbelo da obra de arte.”
p. 208
Miller, J. –A. “O inconsciente e o corpo falante” - Apresentação do
tema do X Congresso da AMP”, 2014.
https://www.congressoamp2016. com/uploads/8d43a017ed95340e07f9ca4dbb5cb235eb472a04.pdf“ (…) A palavra que situo ao lado de sinthoma é escabelo [escabeau], que tomo
emprestado de «Joyce o Sintoma» [14]. O escabelo não é uma escada – é menor
que uma escada -, mas tem degraus. O que é o escabelo? Penso no escabelo
psicanalítico, não apenas aquele que precisamos para pegar os livros na estante
de uma biblioteca. O escabelo é, de um modo geral, aquilo sobre o qual o
falasser se ergue, sobe para se fazer belo. É seu pedestal, que lhe permite elevar a
si mesmo à dignidade da Coisa [15]. Isto, por exemplo, é um pequeno escabelo
para mim [mostrando o pequeno estrado sob a mesa].”
“O escabelo é um conceito transversal. Traduz de maneira imagética a
sublimação freudiana, mas em seu cruzamento com o narcisismo. Aqui está
uma aproximação que é propriamente da época do falasser. O escabelo é a
sublimação, mas na medida em que ela se funda sobre o eu não penso inicial do
falasser. O que é esse eu não penso? É a negação do inconsciente por meio da
qual o falasser se crê senhor de seu ser. E, com seu escabelo, ele acrescenta a isso
o fato de se crer um senhor belo. O que chamamos de cultura não é nada além
da reserva dos escabelos na qual se vai buscar com o que esticar o colarinho e
bancar o glorioso.”
“O que fomenta o escabelo? O falasser sob sua face de gozo da fala. Esse gozo da
fala origina os grandes ideais do Bem, do Verdadeiro e do Belo.”
“Se Lacan se apaixonou por James Joyce e especialmente por sua obra Finnegans
Wake, foi devido à façanha – ou à farsa – que representa por fazer convergir
sintoma e escabelo. Em termos exatos, Joyce fez do próprio sintoma como fora
do sentido, ininteligível, o escabelo de sua arte. Ele criou uma literatura cujo
gozo é tão opaco quanto o do sintoma, nem por isso deixando de ser um objeto
de arte elevado sobre o escabelo à dignidade da Coisa.”
“… no que concerne ao que chamamos de Belas Artes, o iniciador talvez tenha
sido um certo Marcel Duchamp. Joyce, Schoenberg, Duchamp são fabricantes
de escabelos destinados a fazer arte com o sintoma, com o gozo opaco do
sintoma. E teríamos bastante dificuldade em ponderar sobre o que é o escabelo-
sintoma no que concerne à clínica. Temos, antes, de tirar disso uma lição.”
“Mas, digam-me uma coisa, fazer de seu sintoma um escabelo não é
precisamente o de que se trata no passe, no qual se joga com seu sintoma e
com seu gozo opaco? Fazer uma análise é trabalhar a castração do escabelo para
trazer à luz o gozo opaco do sintoma. Fazer o passe é jogar com o sintoma assim
esvaziado, a fim de fazer dele um escabelo, sob os aplausos do grupo analítico. E,
para dizê-lo em termos freudianos, isso é evidentemente um fato de sublimação
e os aplausos não são fortuitos. O momento em que a assistência está satisfeita
faz parte do passe. Pode-se até dizer que o passe se realiza aí.”
“Digamos que eu inventei fazer uma mostração pública dos passes porque
eu sabia, eu pensava, acreditava que isso era a própria essência do passe. Os
escabelos aí estão para fazer a beleza, pois esta é a defesa última contra o real.
Mas, uma vez que os escabelos são derrubados, queimados, resta ainda ao
falasser analisado demonstrar seu saber fazer com o real, saber fazer com ele um
objeto de arte, seu saber dizer, saber bem dizê-lo. É o que constitui o estopim, a
tomada da palavra que ele é convidado a fazer”.
Jacques-Alain Miller