Background Image
Table of Contents Table of Contents
Previous Page  326-327 / 536 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 326-327 / 536 Next Page
Page Background

O CORPO FALANTE

X Congresso da AMP,

Rio de Janeiro 2016

327

326

Miller, J.-A. Assuntos de família no inconsciente, In: aSephallus

Revista de Orientação Lacaniana Nº4, vol. II. 2007

“(…) O ponto de partida é que a língua falada por cada um é um assunto

de família e que a família no inconsciente é, primordialmente, o lugar onde

aprendemos a língua materna. É por isso que o lugar da família está ligado à

língua que falamos, quero dizer, que falar, falar numa língua já é dar testemunho

de um laço com a família.”

p. 82

“Lacan procurou um fundamento biológico para a falta-a-ser, mostrando que o

ser humano nasce inacabado, mais inacabado que qualquer outro animal, pois,

para satisfazer suas necessidades, lhe é preciso o cuidado do outro. Os animais

também têm necessidade dos cuidados do outro quando são pequenos, mas o

que especifica o humano é que ele chama o Outro, que ele transforma em gritos

os apelos, de modo que os primeiros gritos da criança são já balbucios, com

escansões nos sons que variam de uma língua para a outra; muito rápido, aquilo

que dizem as crianças – o balbucio, os barulhos – se distingue segundo a língua

em que se banharam.”

p. 82

“Podemos dizer que a família se instala no inconsciente do neurótico porque ela

é o lugar onde o sujeito experimentou o perigo. A família, com efeito, é o lugar

do Outro da língua, logo, é o lugar do Outro da demanda.”

p. 82

Miller, J. –A. O monólogo da aparola.

http://

.opcaolacaniana.com.br/

pdf/numero_9/O_monologo_da_aparola.pdf

“(…) É isto que ele propõe como gozo da fala, a Outra satisfação, a que se

fundamenta na linguagem e é distinta do que seria o puro gozo do corpo não

falante. Mas a própria expressão gozo da fala pode deslizar, sem que se perceba

o valor que deve ser dado a ela. Analistas ortodoxos – como eles se chamam

– estavam prestes a colocar isso no registro da pulsão oral. Não é esse o valor

próprio que Lacan dá a esta expressão, gozo da fala. É preciso dar um valor

radical a essa expressão, ou seja: o gozo fala. A fala é animada por um querer-

gozar. Não se trata apenas de demanda. Seria possível dizer que a demanda

visa uma necessidade, uma satisfação, inclusive um gozo e que, portanto, esse

querer-gozar já estava presente na noção de demanda, porém um querer-gozar

que passa, que é dominado, pelo querer-dizer.”

p. 17

Miller, J. –A. “O inconsciente e o corpo falante” - Apresentação do

tema do X Congresso da AMP”. 2014.

https://www.congressoamp2016. com/uploads/8d43a017ed95340e07f9ca4dbb5cb235eb472a04.pdf

“(…) Estava quase endossando essa ideia quando me dei conta de que o

corpo, como corpo falante, muda de registro. O que é o corpo falante? Ah,

é um mistério, disse Lacan um dia. Esse dito de Lacan deve ser ainda mais

mantido pelo fato de que mistério não é matema, é até mesmo o oposto. Em

Descartes, o que faz mistério, mas permanece indubitável, é a união da alma

com o corpo. A «Sexta meditação» lhe é dedicada e, por si só, ela mobilizou

tanto a engenhosidade de seu mais eminente comentador quanto as cinco

precedentes. Essa união, uma vez que ela concerne meu corpo,

meum corpus

,

vale como terceira substância entre substância pensamento e substância extensão.

Esse corpo, diz Descartes – a citação é famosa -, «não apenas estou alojado

em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas, além disso, estou muito

estreitamente ligado a ele e de tal forma confundido e misturado que componho

com ele como uma só totalidade».”

“O corpo falante fala em termos de pulsões. Isso autorizava Lacan a apresentar

a pulsão sob o modelo de uma cadeia significante. Ele prosseguiu na via

desse desdobramento em sua lógica da fantasia, na qual ele disjunta o Isso e o

inconsciente. Mas, em contrapartida, o conceito de corpo está na junção do

Isso com o inconsciente. Ele lembra que as cadeias significantes que deciframos

à maneira freudiana são conectadas com o corpo e são feitas de substância

gozante. Quanto ao Isso, Freud dizia que ele era o grande reservatório da libido.

Esse dito é deportado para o corpo falante que, como tal, é substância gozante.

É do corpo que são extraídos os objetos a; é no corpo que é buscado o gozo para

o qual trabalha o inconsciente.”

“A interpretação não é um fragmento de construção incidindo sobre um

elemento isolado do recalque, como o pensava Freud. Ela não é a elucubração

de um saber. Ela não é tampouco um efeito de verdade logo absorvido pela

sucessão das mentiras. A interpretação é um dizer que visa ao corpo falante para

produzir nele um acontecimento, para passar para as tripas, dizia Lacan. Isso não

se antecipa, mas se verifica a posteriori, pois o efeito de gozo é incalculável. Tudo

o que a análise pode fazer é afinar-se com a pulsação do corpo falante para se

insinuar no sintoma.”

“Trata-se do corpo falante com seus dois gozos, gozo da fala e gozo do corpo:

um leva ao escabelo, o outro sustenta o sinthoma.”

Jacques-Alain Miller