

O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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Miller, J.-A. Assuntos de família no inconsciente, In: aSephallus
Revista de Orientação Lacaniana Nº4, vol. II. 2007
“(…) O ponto de partida é que a língua falada por cada um é um assunto
de família e que a família no inconsciente é, primordialmente, o lugar onde
aprendemos a língua materna. É por isso que o lugar da família está ligado à
língua que falamos, quero dizer, que falar, falar numa língua já é dar testemunho
de um laço com a família.”
p. 82
“Lacan procurou um fundamento biológico para a falta-a-ser, mostrando que o
ser humano nasce inacabado, mais inacabado que qualquer outro animal, pois,
para satisfazer suas necessidades, lhe é preciso o cuidado do outro. Os animais
também têm necessidade dos cuidados do outro quando são pequenos, mas o
que especifica o humano é que ele chama o Outro, que ele transforma em gritos
os apelos, de modo que os primeiros gritos da criança são já balbucios, com
escansões nos sons que variam de uma língua para a outra; muito rápido, aquilo
que dizem as crianças – o balbucio, os barulhos – se distingue segundo a língua
em que se banharam.”
p. 82
“Podemos dizer que a família se instala no inconsciente do neurótico porque ela
é o lugar onde o sujeito experimentou o perigo. A família, com efeito, é o lugar
do Outro da língua, logo, é o lugar do Outro da demanda.”
p. 82
Miller, J. –A. O monólogo da aparola.
http://
.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_9/O_monologo_da_aparola.pdf
“(…) É isto que ele propõe como gozo da fala, a Outra satisfação, a que se
fundamenta na linguagem e é distinta do que seria o puro gozo do corpo não
falante. Mas a própria expressão gozo da fala pode deslizar, sem que se perceba
o valor que deve ser dado a ela. Analistas ortodoxos – como eles se chamam
– estavam prestes a colocar isso no registro da pulsão oral. Não é esse o valor
próprio que Lacan dá a esta expressão, gozo da fala. É preciso dar um valor
radical a essa expressão, ou seja: o gozo fala. A fala é animada por um querer-
gozar. Não se trata apenas de demanda. Seria possível dizer que a demanda
visa uma necessidade, uma satisfação, inclusive um gozo e que, portanto, esse
querer-gozar já estava presente na noção de demanda, porém um querer-gozar
que passa, que é dominado, pelo querer-dizer.”
p. 17
Miller, J. –A. “O inconsciente e o corpo falante” - Apresentação do
tema do X Congresso da AMP”. 2014.
https://www.congressoamp2016. com/uploads/8d43a017ed95340e07f9ca4dbb5cb235eb472a04.pdf“(…) Estava quase endossando essa ideia quando me dei conta de que o
corpo, como corpo falante, muda de registro. O que é o corpo falante? Ah,
é um mistério, disse Lacan um dia. Esse dito de Lacan deve ser ainda mais
mantido pelo fato de que mistério não é matema, é até mesmo o oposto. Em
Descartes, o que faz mistério, mas permanece indubitável, é a união da alma
com o corpo. A «Sexta meditação» lhe é dedicada e, por si só, ela mobilizou
tanto a engenhosidade de seu mais eminente comentador quanto as cinco
precedentes. Essa união, uma vez que ela concerne meu corpo,
meum corpus
,
vale como terceira substância entre substância pensamento e substância extensão.
Esse corpo, diz Descartes – a citação é famosa -, «não apenas estou alojado
em meu corpo, como um piloto em seu navio, mas, além disso, estou muito
estreitamente ligado a ele e de tal forma confundido e misturado que componho
com ele como uma só totalidade».”
“O corpo falante fala em termos de pulsões. Isso autorizava Lacan a apresentar
a pulsão sob o modelo de uma cadeia significante. Ele prosseguiu na via
desse desdobramento em sua lógica da fantasia, na qual ele disjunta o Isso e o
inconsciente. Mas, em contrapartida, o conceito de corpo está na junção do
Isso com o inconsciente. Ele lembra que as cadeias significantes que deciframos
à maneira freudiana são conectadas com o corpo e são feitas de substância
gozante. Quanto ao Isso, Freud dizia que ele era o grande reservatório da libido.
Esse dito é deportado para o corpo falante que, como tal, é substância gozante.
É do corpo que são extraídos os objetos a; é no corpo que é buscado o gozo para
o qual trabalha o inconsciente.”
“A interpretação não é um fragmento de construção incidindo sobre um
elemento isolado do recalque, como o pensava Freud. Ela não é a elucubração
de um saber. Ela não é tampouco um efeito de verdade logo absorvido pela
sucessão das mentiras. A interpretação é um dizer que visa ao corpo falante para
produzir nele um acontecimento, para passar para as tripas, dizia Lacan. Isso não
se antecipa, mas se verifica a posteriori, pois o efeito de gozo é incalculável. Tudo
o que a análise pode fazer é afinar-se com a pulsação do corpo falante para se
insinuar no sintoma.”
“Trata-se do corpo falante com seus dois gozos, gozo da fala e gozo do corpo:
um leva ao escabelo, o outro sustenta o sinthoma.”
Jacques-Alain Miller