

O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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que ele não é uma formação do inconsciente, e deve ser usado lógicamente até
atingir seu real, suponho que, no final, ele não terá mais sede. Ele nota que Joyce
fez mais ou menos isso.
O uso lógico do
sinthoma
ao qual Lacan nos convida se opõe ao seu uso de
decifração, que remete à noção de verdade do síntoma e conduz ao real do
sinthoma.
Ao mesmo tempo, isso certamente implica, nos esboços da teoría
propostos por Lacan e em sua prática, uma depreciação da verdade e, mais que
isso, a ideia de que visar a verdade do síntoma é alimentá-lo.”
p.16
“(…) Tratar-se-ia de apreender aquí o pedaço de real que se visa quando se diz
‘não há relação sexual’, que é a face negativa do fato positivo: “há
sinthoma.
”
p. 17
“(…) O uso lógico do sinthoma, sobre o qual Lacan entende reorientar
a operação analítica, é, como tal, disjunto de uso social, que é sempre
comunicacional. É um uso que tende a ser solipisístico – para dizê-lo em termos
filosóficos -, ou ainda autista, em termos clínicos. O uso lógico do
sinthoma
é
o ponto de partida do
Seminário: o Sinthoma
e se opõe à decifração do sintoma
em termos de verdade. Ele introduz, sem dúvida, um desenvolvimento – não é
uma estagnação – mas não é revelação, é redução. Redução de que? Redução a
um osso. Redução a um elemento, ou mesmo redução a um significante, mas
tudo muda se o significante é representado e, por isso mesmo, concebido como
um aro de barbante. Nesse
Seminário
, o aro de barbante com o qual se compõe
o nó, aro pra toda obra, vem no lugar do uso que Lacan dava ao significante. O
aro de barbante não é um traço, ele fecha, isola, supõe um furo.”
p. 22
Bordados
“(…) Se é isso, pode-se dizer que, para cada um, o
sinthoma
se inscreve sempre
na demissão do pai, e que é na via aberta pela demissão do pai que o significante
é causa de gozo. Disso resulta esta função atribuida ao
sinthoma
: ser reparador.”
p. 24
“(…) É o que é realçado no
Seminário: O Sinthoma
, no qual se vê o sinthoma
reparar a cadeia borromeana quando seus elementos não se mantém bem
juntos. O sinthoma aparece como um operador de consistência que permite ao
simbólico, ao imaginário e ao real continuar mantendo-se juntos.”
p. 25
“(…) No caso Joyce, o sintoma é exatamente uma compensação da carência
paterna, carência que se conclui na geração seguinte pela esquizofrenia da filha
de Joyce. Como se Joyce tivesse sido o intercessor entre a carência de seu pai e a
esquizofrenia de sua filha. É nesse intervalo, no qual se aloja Joyce, que se pode
fazer a hipótese de que ele foi servo da polifonia da fala. Para ele, a língua não
pôde se ordenar no regime do pai, pondo-se então a retinir ecos. A hipótese é
que esse era seu
sinthoma,
do qual ele fez um produto de arte, de sua arte.”
p. 25
Miller, J.-A. Peças avulsas – comentário sobre Le Sinthome. In: Opção
Lacaniana Nº45. Edições Eólia, São Paulo, 2006. Tradução Márcia
Souza Bandeira
“ (…) No
Seminário: O sinthoma
, o nó é uma escrita. Ele é traçado, desenhado.
Esse nó como escrita, como desenho, não deve nada à conexão entre o
significante e o significado. Desse modo Lacan pode dizer que o nó modifica
completamente o sentido da escrita. Em que consiste essa mudança? O nó
desatrela a escrita da fala e, ao fazê-lo, o próprio nó demonstra poder ter o
valor de um traumatismo. Ele teve, para os seus ouvintes, e terá, na história da
psicanálise, o valor de um traumatismo.”
p. 15
Miller, J.-A. Conclusão das aulas sobre o
Sinthoma
. In: Opção
Lacaniana Nº46, São Paulo, Edicões Eólia, 2006. Tradução Teresinha
Meirelles Prado
“(…) O que faz a diferença entre o sintoma e o
sinthoma
? Começamos a
apreendê-lo melhor. O sintoma para Freud – pelo menos o Freud renovado,
reconfigurado por Lacan – é pensado a partir da verdade. É uma emergência da
verdade, ele a representa, e mesmo: ele é verdade – com “é” em itálico, como o
encontramos uma vez nos Escritos (“A direção do tratamento e os princípios de
seu poder”). Para Lacan, e não para Freud, há o
sinthoma.
(…) O
sinthoma
, é pensado, se articula, não a partir de
a
verdade, mas do gozo,
como um modo-de-gozar. (…) Os dois termos, verdade e gozo, correspondem
a dois regimes bastante diferentes. Como dizer em poucas palavras o regime
da verdade? É uma questão de trajetória e de travessia, de errância e de erro,
de dissimulação e de decifração, de surpresa e de espanto. O regime do gozo,
por outro lado, é pleno de positividade. O gozo só varia do mais ao menos e
vice-versa. São dois regimes distintos, duas perspectivas clínicas distintas, duas
codificações da experiência!”
p. 13
“(…) Pelo lado do
sinthoma
e do gozo, não há falta. É aí que Lacan diz, um
tanto atabalhoadamente: as pessoas são felizes. Mesmo quando declaram sua
infelicidade. Todo encontro, toda hora lhes é boa na medida em que ser serve à
repetição.”
p. 14
Jacques-Alain Miller