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estratégia política fazer-se louco, atuar como

um bufão de corte, personagem de outro

viés bem shakespeariano. Não é por nada

que, na cena com os coveiros, encontra-se

cara a cara com a caveira de um deles, de

um dos autênticos, dos que já não restam

no tempo de Hamlet filho, um bufão a

quem professou amor verdadeiro e que lhe

ensinou coisas essenciais em sua formação

como homem de corte. A partir daí, Hamlet

representa a transformação na qual fazer-se

de louco passa a ser, como diz Lacan, uma

das dimensões essenciais na política do herói

moderno.

Fazer-se de louco é uma manobra de

Hamlet que tira Cláudio de si e o deixa à

sua mercê. Manobra política de grande voo

que contrasta com as intrigas antiquadas e

ridículas de seus adversários. Vejam-se, por

exemplo, os conselhos caricaturescos que

Polônio dá a Laertes como viático. Desta

loucura, o mais divertido seja talvez a

resposta psicoterapêutica que, como indica

Lacan, desperta em Polônio. Seu diagnóstico

é: “Vosso nobre filho está louco.” E a causa

desta loucura é o amor.

Hamlet, com efeito, põe-se a falar de uma

maneira quase maníaca, como diagnostica

Lacan. Joga para negar o sentido, para

desligar-se do falo, do falo monárquico,

por exemplo. Com o que não diremos

que ridiculariza seus adversários, mas que,

melhor, faz surgir

a thing

que se esconde

sob as vestimentas, os brilhos, os toques de

trompete da corte. E é precisamente por

aqui que esta segunda loucura de Hamlet

nos leva à terceira. Mas antes de falar dela,

convém referir-nos à loucura do mundo.

Ao longo de

A tragédia de Hamlet, príncipe

da Dinamarca

, Shakespeare espalha

numerosos indícios da desordem do mundo

em que vivem tanto Hamlet como os

demais personagens. Por exemplo, sabemos

como Lacan ressalta um detalhe que havia

escapado aos leitores mais perspicazes

da obra, que se encontra em seu próprio

começo, na cena da mudança da guarda. O

que chega pergunta:

Who’s there?

, “Quem

está aí?” – quando a pergunta deveria ter sido

feita por quem faz a guarda. E este replica,

naturalmente: “Sou eu quem pergunta! Alto,

e diz quem vem!” Desde o próprio início da

obra nos é indicado que algo se encontra

transtornado. O sentido destas réplicas é:

Tem alguém aqui que vigie?

Mais algumas linhas abaixo, Horácio e

Marcelo falam da aparição, como de um

augúrio, “de alguma estranha comoção

em nosso Estado”. Parece, vêm dizer, que

o cadáver do

valiant Hamlet

, do Hamlet

pai, se revira em sua tumba, porque o

jovem Fortinbrás quer atacar o Estado,

o qual, nestas condições, está em pé de