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psicanálise e antecipam os conteúdos do que

desenvolveu no seminário do curso seguinte,

A ética da psicanálise

. Quero dizer com isto

que elas anunciam a virada extrema que

tomaria seu trabalho, e que de fato nos leva

às instituições atuais da psicanálise.

se

langage

. Leiamos, portanto, aí, que

Hamlet mostra o compromisso de nosso ser

com a linguagem.

Hamlet deseja, portanto, mas não sabe o

que quer. Avança na via de seu desejo, mas

apenas o assume após ter entrado num espaço

cuja lógica havia de desenvolver Lacan em

seu Seminário no ano seguinte. Trata-se do

espaço privilegiado da tragédia: a dimensão

do ser entre duas mortes. Na tragédia

Édipo

rei

, o que introduz Édipo nessa dimensão é

a peste de Tebas; e quanto a Antígona, seu

ato fatal a conduz a ser enterrada em vida,

morta antes de morrer, para morrer depois

de morta.

Através da obra de Freud, a psicanálise

recupera este espaço para nossos tempos

“áridos do cientificismo”. Neste sentido, a

leitura de

Hamlet

é muito ilustrativa porque,

diferentemente de Édipo, que é um herói

dos tempos antigos, Hamlet é um homem

de nossa época: é o sujeito da ciência, o

homem contemporâneo ao

The Advancement

of Learning

, de Francis Bacon, que antecede

em pouco o

Discurso do método

cartesiano.

Hamlet é umhomemque sabe e, poderíamos

dizer, que sabe demais. Assim como Édipo,

diz Lacan, mata seu pai e se casa com sua mãe

sem saber que o são, Hamlet é aquele que,

de entrada, e graças à palavra do espectro,

já sabe. E precisamente suas dificuldades

provêm deste saber e de seu domínio. É

por isso que impõe a si mesmo uma forma

de loucura: suspenso como está à hora do

Outro - como diz Lacan em seu Seminário

-, vê-se obrigado a desconcertá-lo em busca

da oportunidade de levar a cabo sua política.

Por outro lado, a tragédia nos mostra que seu

desejo não se realiza se não for passando por

todo um campo de obstáculos especulares.

E se leva adiante seu desejo, é diante destes

espelhos. Encontramo-nos certamente no

espaço da política dos tempos modernos:

o palácio de Versalhes é um palácio de

espelhos; e também quando se firmaram os

tratados que supostamente haviam de dar

fim à Grande Guerra.

Lacan apresenta Hamlet como um homem

de desejo, que não pode deixar de atuar, mas

cuja ação é adiada. Não indefinidamente,

mas até um ponto muito preciso: Hamlet

só faz o que tem de fazer – matar Cláudio

– quando ele mesmo já está condenado à

morte sem remédio.

Neste trajeto, mostra-nos sua culpabilidade

inconsciente: aquela que se liga a seu ser.

“É-lhe insuportável ser”, diz Lacan. E seu

monólogo

To be or not to be

, o simples fato de

pronunciá-lo, o leva ao compromisso de ser.

L’engage (...) dans l’être

, diz Lacan, fazendo

referência às doutrinas então próximas

do

engagement

; mas também

l’engage

lê-