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Escrever e assinar

Assinar, além de escrever o texto, também implica o lugar da enunciação no campo teórico da

psicanálise, que abordarei a partir do nome próprio e da letra. Mais uma vez foi um sonho, esse feito na

etapa final da escrita, que me colocou a questão do assinar o que se escreve: “eu estava diante de uma página

escrita por Freud, letra ilegível, com exceção da sua assinatura embaixo ao final da página”. O desassossego

da escrita está para a insônia assim como o sonho está para um certo apaziguamento dessa inquietação. Vale

dizer que, no meu caso, o trabalho do sonho atenuou em diferentes momentos da escrita o desassossego

advindo dela.

A questão do nome próprio e da assinatura é abordada por Ram Mandil no livro

Os efeitos da letra

(2003) e por Márcia Rosa no livro Fernando Pessoa e Jaques Lacan: constelações, letra e livro (2011). Ambos

reconhecem na assinatura um lugar da enunciação. Ram discute a noção de assinatura a partir de Joyce,

perguntando o que haveria de particular na “assinatura Joyce”. A marca de Joyce é uma relação específica

do falasser com a língua, com a linguagem e com a escrita por meio da qual ele se fez um ego. Para Joyce, o

nome próprio compensou a carência paterna.

Segundo Derrida, autor com quem Ram Mandil dialoga, o termo assinatura ganha o peso de um

conceito. A assinatura conjuga o nome próprio com a escrita. Ela implica a busca da propriedade de um

nome, no nível da escrita, do lugar da enunciação.

Márcia Rosa trabalhou em seu livro a questão da assinatura a partir da noção de autor e da escrita

autobiográfica. A assinatura como uma marca no texto, de um fora-texto, reenvia à responsabilidade da

enunciação do texto escrito, ao nome como o que resta da presença do autor no texto. Diferenciando o

nome próprio da assinatura, Márcia Rosa considera dois aspectos do nome próprio, a saber, o aspecto

semântico segundo o qual ele é designação, marca, traço singular e identidade estável do indivíduo; porém,

ele pode se tornar um elemento da pragmática por meio da assinatura.

Segundo Éric Laurent, foi através da leitura lacaniana de Joyce, que teria introduzido o escrito como o

que não é para ser lido, que “Lacan concebe o escrito no mesmo registro que o nome próprio, como o que

não se traduz, como um limite na tradução’” (LAURENT, 2003, p. 63). O nome próprio evidencia uma

dimensão da linguagem que não é da comunicação e que se aproxima, portanto, da escrita. Na medida em

que a nomeação faz aparecer um vazio da descrição, ela faz um verdadeiro furo na dimensão do sentido. No

texto “Sintoma e nome próprio”, Laurent chama a atenção para o paradoxo da operação do nome próprio,

a saber, abrir e ao mesmo tempo tapar o furo da fuga de sentido.

A escrita como lugar de enunciação, isto é, de produção de uma marca singular, um traço de alteridade,

confere ao nome próprio seu estatuto de letra. O nome próprio é apenas um índice, é sem sentido, não

significa nada, e concerne ao valor de letra tomado do significante. Sua lógica implica uma operação com

o (-1), o inominável no conjunto do significante, pois o nome próprio não representa o sujeito para outro

significante, representa-o em termos absolutos funcionando como um designador rígido.

Para concluir, proponho aproximar o termo “assinatura Freud” de dois outros termos, a saber, o

“acontecimento Freud” proposto por Lacan, o “traumatismo Freud”, proposto por Miller, como nomes do

corte introduzido por Freud no discurso universal, inaugurando um modo inédito de fazer ciência.

Suzana Faleiro Barroso