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espiralar da linguagem. Pois a linguagem que falamos é

apenas a superfície de um solo erodido, sulcado, fissurado. Na

perspectiva freudiana, a linguagem é uma estrutura apenas se

pudermos conceber uma estrutura feita de placas, que, como

as placas tectônicas, se movem lentamente, mas que às vezes

sofrem abalos...

Entretanto, as diferenças entre

Édipo

e

Hamlet

são marcantes. Se é verdade, como escreve Starobinski,

que “Édipo não tem inconsciente, porque ele é nosso

inconsciente”, é também verdade que “ele não precisa ter

uma profundidade própria, porque ele é nossa profundidade;

(...) atribuir a ele uma psicologia seria derrisório: ele já é

uma instância psíquica” (Starobinski, 1967, p. XIX). Desse

modo, Édipo não é um objeto a ser interpretado, ele é um

operador. Não há nada escondido, nenhuma motivação

obscura, nada detrás da cortina. Tudo se desenrola segundo a

necessidade e a causalidade própria a uma tragédia do destino

(

Schicksalstragödie

). O crime fora cometido sem saber e sem

querer, o que, na ética grega, e a fortiori para a doutrina do

inconsciente, não isenta o sujeito de sua responsabilidade.

Édipo é o limite da própria interpretação, na

medida exata em que funciona para Freud como um

interpretans

. Com Hamlet, tragédia do caráter, tudo se passa

diferentemente. É desse modo que Freud, não por acaso, em

sua

Selbstdarstellung

, de 1925, apresenta as diferenças entre as

duas peças. A inação de Hamlet, sua paralisia, sua hesitação,

exigem que o intérprete construa hipóteses que não são

oferecidas de bandeja pelo poeta. O herói shakespereano,

ao contrário do herói trágico grego, não está submetido à

moira ou um oráculo; entidades semidivinas como a ‘ate’ não

desempenham um papel determinante na condução de seus

atos; enfim, Hamlet está abandonado a si próprio, às suas

memórias, ou seriam alucinações?, como o homem moderno

- que ele ainda não é exatamente, mas que já o espreita - estaria

dentro em breve apavorado diante do eterno silêncio dos

espaços infinitos. De qualquer modo, os signos perderam sua

clareza, os indícios são demasiado frágeis para fundamentar

uma decisão. Preso no teatro de sua luta interior, Hamlet

não sabe distinguir com clareza os índices que se apresentam

diante dele. O mundo perdeu sua transparência, ou ainda

não recuperou?, a insidiosa opacidade imiscui-se em cada

elemento que se apresenta diante dele. O fantasma de seu pai,

a voz que sopra em seu ouvido, tudo é fugidio, opaco. Como

distinguir entre uma percepção externa, a figura de seu pai

retornando do mundo dos mortos para lhe exigir vingança,

e uma lembrança, uma fantasia, uma imagem produzida

no meu eu? Onde as fronteiras entre o exterior e o interior

fincam raízes? Onde começa a fantasia e termina a percepção?

E se tudo for sonho, ou pior, o perigo mais terrível, uma ideia

delirante ou mesmo uma alucinação? Não é difícil perceber o

fascínio de Freud pela figura de Hamlet.

O enigma que Freud decifra em Hamlet não concerne,

claro, à literatura ou à crítica literária: seu interesse é o

paciente real, que entra pela porta, que sofre, que fala, que

vai embora.

A operação de Freud, de essência

gramatical ou lógica, consiste em

mostrar que uma dupla negação é o

equivalente degradado, fantasmático,

de uma afirmação: Hamlet não

cometeu o assassinato do pai, mas por

outro lado ele não chega a agir contra

aquele que o cometeu. Então, é porque

ele não cessou, inconscientemente, de

desejar cometer (Starobinski, 1967, p.

xxxvii)

Starobinski faz uma anotação decisiva. O estudo de

Ernest Jones sobre Hamlet parte da teoria psicanalítica, como

um conjunto fechado de ferramentas, para chegar a Hamlet.

Estamos no terreno da psicanálise aplicada, ao contrário do

que havia tentado Freud, que vai de Édipo e de Hamlet até

a psicanálise.

Para concluir, gostaria de retomar algumas linhas do

último parágrafo do belo ensaio de Freud, “O poeta e o

fantasiar”, aqui na primorosa tradução de Ernani Chaves:

Os senhores se recordam quando

dizíamos que quem tem sonhos diurnos

esconde suas fantasias cuidadosamente

diante dos outros, porque sente que

aí há motivos para se envergonhar.

Eu acrescentaria que, mesmo que ele

pudesse nos comunicar essas fantasias,

não poderia nos proporcionar, por

meio de tal desocultamento, nenhum

prazer. Se experimentássemos essas

fantasias, ou nos livraríamos delas ou

permaneceríamos distantes delas. Mas,

se o poeta nos apresentasse previamente

suas brincadeiras ou contasse para nós

aquilo que esclarecesse seus sonhos

diurnos pessoais, então, sentiríamos,

provavelmente a partir de diferentes

fontes, um grande prazer que flui

conjuntamente. Como o poeta realiza

isso, eis aí o seu segredo mais íntimo; na

técnica da superação desta repulsão, que