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fórmula – não há relação sexual –, Lacan nos diz no terceiro capítulo do
Seminário
, livro 20:
Mais, ainda
,
que ela só tem suporte na escrita, no que a relação sexual não se pode escrever.
Tudo que é escrito parte do fato de que será para sempre impossível escrever como tal a relação sexual.
A escrita tem origem no impossível de escrever. “A letra vem ao primeiro plano a cada vez que o sujeito
se vê confrontado com a inconsistência do Outro” (MANDIL, 2012, p. 63). O que se escreve do real
do inconsciente numa análise implica a modalidade lógica da contingência, isto é, o que cessa de não se
escrever. Quando o sujeito do inconsciente é colocado a trabalho, reabre-se a fuga do sentido, condição para
que algo da escrita se produza.
A escrita da clínica: formalização e testemunho
Para um analista, a escrita da clínica abre uma série de questões: escrever caso por caso, articular um
saber sobre a experiência do real próprio de cada caso, zelar pelo sigilo, publicar o caso, localizar os efeitos
da escrita do caso. Todas essas questões são discutidas cuidadosamente por Freud nas “Notas preliminares
ao relato do caso de Dora”. Nessas notas, Freud assume a importância das duas linhas de estudo do caso
clínico, a saber, a perspectiva do caso único e a perspectiva do caso típico. “Na minha opinião”, disse Freud,
“o médico assume deveres não só em relação ao paciente individual, mas também em relação à ciência; e seus
deveres para com a ciência significam, em última análise, nada mais que seus deveres para com os inúmeros
outros pacientes que sofrem ou sofrerão um dia do mesmo mal” (FREUD, 1905/1976, p. 6). De uma parte,
buscamos a singularidade, isto é, o caso propriamente dito; e de outra parte, buscamos generalizar, articular
teoricamente, elaborar conceitos e matemas, pesquisar a casuística, fazer correlações entre os casos, recorrer
às formulações já estabelecidas, formalizar. A escrita da clínica convive, portanto, com o singular e com o
universal.
O fato de receber crianças psicóticas no consultório, que se implicaram no tratamento analítico
durante longo tempo, que obtiveram uma limitação do gozo em excesso e efeitos terapêuticos sensíveis,
foi determinante para a busca de formalização dessa experiência. O esforço de extrair da clínica da criança
psicótica um saber transmissível concerne aos deveres para com o caso e para com a ciência estabelecidos
por Freud.
Ainda que a escrita em psicanálise possa se deixar pautar pelo ideário do discurso universitário, segundo
os formatos conhecidos de monografia, dissertação, tese etc., somente o real do caso extraído de sua
lalangue
permite ao analista escrever a partir dos restos depositados no campo da transferência. Com Lacan, chamo
de escrita da clínica o recurso às letras lacanianas, que viabilizam a formalização, as letras dos matemas, dos
esquemas, dos gráficos, que transmitem o saber clínico.
Do ponto de vista da elaboração, há sempre para quem pesquisa e escreve o tensionamento entre o
saber clínico que se articula e peças soltas que se dispersam; entre o que se ordena da clínica por meio dos
matemas e o que permanece como resíduo ou como causa da formalização. A meu ver, é o que justifica
considerar a escrita da clínica segundo duas diferentes modalidades, a da formalização e a do testemunho.
Quanto a esse ponto, o testemunho, o texto de Enric Berenguer, “Testemunho: ensino irônico”, publicado
em
Opção Lacaniana
número 54, traz uma importante contribuição ao defender a ideia de que “todo ensino
psicanalítico participa do testemunho” (BERENGUER, 2009, p. 68).
O testemunho se refere sempre, de algum modo, ao limite do discurso, e inclusive
da formalização. Nesse ponto, a escrita chega a ser invocada como testemunho
eletivo de algo que se situa nos confins do saber e do real. Onde o discurso não
“diz”, testemunha. E, onde o testemunho do discurso desfalece, apela-se para o
testemunho da escrita. O ensino se caracteriza por buscar ativamente esse limite,
construí-lo. Falando e escrevendo sobre ele, mas fazendo com que o falado e o escrito