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Um abismo radical

Por Denizye Aleksandra Zacharias

Jacques-Alain Miller, na contracapa do Seminário 19, ou pior, introduz a questão em jogo, no que se refere ao encontro entre os seres falantes, com estas palavras de Lautréamont: “Encontro fortuito entre a máquina de costura e o guarda-chuva”. Com isso, ele quis dizer que no Inconsciente não se escreve para os seres falantes uma lei que ordene um saber a respeito do encontro entre o macho e a fêmea.

Com esse introito, sem detença, há no título do Seminário 19, ou pior, as reticências enigmáticas que aludem ao ‘não há nada escrito aí’, marcando um lugar vazio. Esse lugar vazio encarna uma função fundamental na teoria lacaniana da sexuação, demonstrando ab initio a elaboração necessária para poder estabelecer o quadro das fórmulas da sexuação.

Esse lugar vazio nos fornece o lugar e a dimensão que nos permitirá, em seguida, escrever, nesse espaço vazio, uma variável, por exemplo, a variável “x”. E o fato de poder alojar uma variável em um lugar, é o que chamamos escrever uma função. E a variável vai sempre proceder de uma escritura que é para todo “x”. É isso, e nada mais, que chamamos de função. [….] Essa função na psicanálise é a função fálica que permite situar a significação (Bedeutung), ao mesmo tempo que coloca um limite pela castração (LA SAGNA, 2015, p. 115).

O que está na base da diferença dos sexos? Lacan vai demonstrá-lo por meio de duas afirmações:

  1. Não há relação sexual e
  2. Há-um (Yad’lun).

Contrapeso para o “não há relação sexual”, esse Há-um do gozo, categoria que se constrói fora da lógica da diferença, é UM do gozo, UM do gozo do corpo que funciona sem o outro recíproco e toca a diferença entre o Um e o Outro.

“A pergunta deve ser inteiramente reformulada a partir da função que se articula como Há-um [Yad’lun]” (LACAN, 1971-1972/2012, p. 184).

Lacan vai ordenando tais elementos nesse seminário para ir trazendo a diferença sexual entre o homem e a mulher sobre “não há relação sexual”. É a partir do zero e do Um que ele funda essa diferença. Essa lógica será por ele usada posteriormente para a construção do sinthoma, afirmando que quando se escreve o sinthoma, cria-se o furo, ou seja, ao se escrever o sinthoma, cria-se o zero e o Um é um equívoco. Por quê? Por não ser Um em si mesmo, não se escreve como a lógica proposicional A = B. O Um é a letra que é sempre equívoca, de modo que a letra funda toda cadeia significante.

A letra seria o começo de toda a entrada no simbólico e sempre é equívoco por não ser igual a si mesma. Ao se escrever Há-um, também se funda não há.

Como Um funda a “não relação sexual”, será a partir disso o modo como cada ser falante se escreve do lado todo e do lado não-todo, o que já é uma resposta à “não relação sexual”.

“A sexuação põe em jogo a insondável decisão do ser que implica a subjetivação do modo de gozar” (FONTE, 2015, p. 147).

Como cada um logra escrever, não se sabe. Todas as eleições são enigmáticas para os falasseres porque não há causa.


Referências Bibliográficas:
FONTE, Rosane. Ressonâncias… In: GORSKI, Glacy Gonzales; SOTA FUENTES, Maria Josefina (Orgs.). Leituras do Seminário …ou pior de Jacques Lacan. Salvador: Escola Brasileira de Psicanálise, 2015. p. 147-150.
LACAN, Jacques. Na base da diferença dos sexos. In: LACAN, Jacques. O seminário, livro 19: …ou pior. (1971-1972) Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2012. p. 173-184.
LA SAGNA, Philippe. Introdução ao Seminário 19. In: GORSKI, Glacy Gonzales; SOTA FUENTES, Maria Josefina (Orgs.). Leituras do Seminário …ou pior de Jacques Lacan. Salvador: Escola Brasileira de Psicanálise, 2015. p. 113-116.
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