15 de setembro de 2022
Semblantes[1]
Por Adriana Gomes Pessoa
Miller inicia o artigo Mulheres e Semblantes I[2], com a questão se existe uma afinidade especial entre Mulheres e Semblantes. Contudo, para responder ele afirma:
“Talvez seja mais esclarecedor tomar o avesso desse tema que nos é dado, pois efetivamente ele existe; observamos, nas mulheres, um ódio muito especial ao semblante”.
Semblantes? São os que têm a função de velar o nada, numa função de ficção, afirma Miller. “O semblante consiste em fazer crer que há algo ali onde não há”. Por isso a fórmula ‘não há relação sexual’ implica que, no nível do real, só há semblantes, não há relação[3].
As mulheres, referindo-se as fórmulas da sexuação, se situam em parte submetidas a lógica fálica, e parte não-toda. Miller[4] afirma, que no lugar supostamente ocupado pela mulher encontra-se o vazio. Um vazio ocupado pelos semblantes, pelas máscaras, “máscaras do nada”. Há uma aproximação dos semblantes com o feminino, no que diz da lógica das fórmulas da sexuação, para além do falo.
Supondo que os semblantes são sustentados pelos laços sociais e culturais de uma época, pode-se afirmar que, o que antes ordenavam os modos de gozo e semblantes, na atualidade não responde mais as novas formas de vivenciar a pulsão, em especial sobre a diferença sexual, e as chamadas, no senso comum, questões de gênero.
Diante da insuficiência do semblante do Pai, para responder as questões das diferenças do significante do sexual homem ou mulher, Lacan introduz a clínica do sinthoma. Clínica borromeana, do gozo, da dimensão do gozo do corpo, cujo paradigma se sustenta na experiência e no encontro com o real, na dimensão do ter. O corpo se torna uma substância gozante para além da dialética imaginária do falo. O corpo como estranho e, ao mesmo tempo, de mais particular ao sujeito, e seu modo de gozo, “localizado” fora da linguagem.
No Seminário 20, Mais ainda, Lacan apresenta uma figura cujos vértices são RSI, numa equivalência do real, simbólico e imaginário. Nesta figura, ele também situa o semblante sobre o que se dirige do simbólico ao real, ou seja, partindo em busca do real, o simbólico se depara com o semblante. No Seminário 19, Lacan havia postulado o semblante como sendo a possibilidade de lidar com o real do sexo, com o que escapa da linguagem do registro simbólico – o gozo. Afirma Lacan[5] que “o gozo só se interpela, só se evoca, só se suprema, só se elabora a partir de um semblante, de uma aparência”. E, a oposição entre semblante e real que interessa à psicanálise.
Nesta oposição podemos situar a relação das mulheres com os semblantes. Algo do semblante falha na missão impossível de abordar o real. E o que ocorre do lado das mulheres, na posição feminina, é que estas se deparam com uma relação mais próxima com o nada. Não há nada que diga da mulher, estando assim mais próximas do real. Como Miller diz são “mais amigas do real” e com isto não se prestam facilmente a substituição pelos semblantes. “A verdadeira lógica da posição feminina é denunciar os semblantes[6].
No seminário 18, Lacan articula e enfatiza a relação do semblante com o discurso e o situa na dimensão da relação homem e mulher. Semblante como o que tenta dar conta do insuportável da disjunção entre homens e mulheres. Um recurso para operar com a ausência da relação sexual, do real em jogo. No avanço de seu último ensino Lacan introduz o parceiro-sinthome. Segundo Tendlarz[7]:
“O percurso pertinentemente aos jogos de semblantes da dialética fálica não desaparece, mas adquire uma nova significação a partir dos elementos teóricos que Lacan introduz em seguida. O falo é definido, então, como o gozo sexual, na medida em que está coordenado com um semblante, é solidário de um semblante”.
Na atualidade, o contexto social nos coloca diante de uma diversidade sobre as diferenças sexuais, e nisto se constituem novas parcerias sintomas de semblantes como seres falantes. Não temos como prescindir dos semblantes. Condensado a escrita de Romildo Rego[8]:
“No caso da parceria sexual, o próprio termo parceria, contém a ideia de parte, ou de parcialização, os semblantes recobrem a impossibilidade de que os parceiros se completem. Ou seja, se a parceria é necessariamente um conjunto de partes, se compõem de alguma forma uma unidade, está em contradição com a separação, que está implícita no próprio termo sexo, ou sexual”.
Para a psicanálise, hoje, mais ainda, fica a tarefa de se deparar com o real que nos interpela, e que faz vacilar os semblantes que ordenam laço social civilizatório, comparecendo no real do sexo.