15 de setembro de 2022
Eu estou depois das tempestades[2]……
As famosas Majas de Francisco Goya[1]
Por Rosilene Caramalac
“O senhor mire e veja: o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que elas estão sempre mudando” (Rioblado em “Grande Sertão, veredas”, de Guimarães Rosa.) [3]
Há sempre no mundo um “desejo” de fixar as pessoas em um lugar, em uma verdade única, em um mesmo olhar e em uma mesma sexualidade… A psicanálise subverte essa ideia tão presente no mundo; a psicanálise subverteu a perspectiva de garantias, a busca de um universal; ela se pauta na experiência do UM. Assim, a psicanálise apontou uma nova perspectiva de pensar o homem, a vida e, obviamente, de pensar a sexualidade. Assim, como na imagem acima de Goya, poderíamos fazer uma analogia de tal obra de arte com a perspectiva que a psicanálise buscaria ao subverter a ideia de corpo, de sexualidade e de patologia: o quadro acima com roupa é a sociedade normativa prescritiva que quer rótulo, enquanto a desnuda é a psicanálise, que, como Goya, subverte a ideia de roupa, do corpo, das nomenclaturas, da sexualidade.
A sexualidade, pela ótica da psicanálise, é retirada da banalidade, do senso comum e da perspectiva da ciência. A sexualidade foi pensada por Freud pelos fundamentos do recalque e do inconsciente. Desde os primórdios, a psicanálise expõe que aquilo que na sexualidade é censurado socialmente, tido como anomalia, ou pior ainda, como uma degeneração sexual, nada mais é do que corriqueiro em todos os sujeitos considerados “normais”. Nesse aspecto, relembro a música de Caetano Veloso que traz justamente essa ideia de que “de perto ninguém é normal”. Em nós, humanos, tudo é imprevisível, inclusive e obviamente a própria sexualidade que também será múltipla, errática e com certeza desconcertante. É assim que embarcamos no campo da psicanálise, ponderando que no ser falante, no ser provido de linguagem, logo, de inconsciente, inexiste uma sexualidade marcada apenas pelos ciclos biológicos, pautando-se pelos ciclos reprodutivos, visando a perpetuação da espécie.
Freud marca o lugar do homem na pulsão e não no instinto, assim não há objeto sexual previamente definido, mas uma pulsão tomada pela ação contínua da linguagem. A partir deste ponto o corpo é pensado completamente diferente da fisiologia, de um efeito biologizante. Recortado pelo simbólico, o corpo não é submetido a nenhuma lei natural, mas marcado pelo mistério, pelo engima, o “unheimlich”. A psicanálise, então, se ocupa de que não há nenhuma imagem para revelar esse mistério, esse enigma, nenhum encontro capaz de tampar o furo, o desencontro, o estranho familiar. Ela aponta, neste sentido, para o falaser, permitindo que o sujeito, a sexualidade escape da tirania de um Outro presumivelmente encantador. Deste modo, é indispensável uma trombada com algo que ultrapasse o Eu de modo que o sujeito afetado por um imaginário consistente e pela linguagem insensata, com a qual se embrulha, não seja apenas um robô comandado insconscientemente. O que poderia nos fazer escapar deste lugar? A resposta passa pela categoria do Real que não pode ser capturado e nem nomeado por qualquer significante.
A psicanálise inaugurada por Freud e que com Lacan busca reencontrar os princípios, um rigor e, mais ainda, um novo frescor; ela dá passagem ao que podemos chamar “o Real”, um Real capaz de criar, capaz de tirar o sujeito da adoração seja de uma vida completa, de um corpo perfeito, de palavras e sentidos que lhe enganam, já que pretendem tudo dizer/explicar. A psicanálise não busca a palavra final, de chegar a última parada, seja sobre a sexualidade, seja sobre a psicose ou qualquer outro tema; não há um finalmente, um dizer último, há apenas um transitório, um insistir e um constante respirar, mesmo sabendo que falharemos, como diria Beckett: “Tudo de outrora. Nada mais nunca. Nunca tentado. Nunca falhado. Não importa. Tentar de novo. Falhar de novo. Falhar melhor”.[4]