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Entrevista com Rômulo Ferreira da Silva sobre o Eixo temático 3 – Sexo nas Psicoses

Gabriel Caixeta: Qual a importância dessa formulação de Lacan sobre a sexuação na clínica de orientação lacaniana?

Rômulo Ferreira: Essa pergunta nos interessa. E eu começaria abordando a questão da “relação sexual que não existe”. Se pegarmos desde os primórdios da psicanálise, o sexo está posto em questão. Podemos retomar inclusive a discussão de Freud com o Fliess sobre a bissexualidade, que foi um tema que colaborou com a ruptura da amizade entre eles, porque Fliess entendeu que Freud o plagiou. Os dois abordaram esse tema, mas cada um a seu modo. Então, desde os primórdios mesmo, quando Freud inventava ou descobria a psicanálise, o sexo estava ali, a questão da sexualidade estava posta. Quer dizer, o sexo, então, tomado como um fato biológico anatômico, ele tomado dessa forma para a psicanálise, fica distante do que é essa abordagem. Então, é necessário avançar, eu diria isso, quer dizer, qual que é a importância da formulação de Lacan sobre a sexuação, como está colocado na pergunta? É preciso avançar, avançar, inclusive, na criação de novos termos, temos que podem transmitir melhor o que nos interessa na psicanálise. Então, quando Lacan usa esse termo, ele está abordando alguma coisa para além do que é a sexualidade. Nós poderíamos dizer também, para aquém do que é a sexualidade, pois não se trata de abordar como é que cada um busca fazer a parceria no campo do sexual. Em termos de sexuação, trata-se mais de uma escolha, uma escolha de posicionamento frente ao modo de gozo. E eu entendo que, justamente com o uso desse termo, Lacan aponta para a inexistência da relação sexual.

Gabriel Caixeta: Você poderia falar um pouco sobre a diferença entre sexualidade e sexuação na psicanálise?

Rômulo Ferreira: A sexualidade não é determinada pelo sexo. O sexo tomado como anatomia ou fisiologia. Quer dizer, não é sem o sexo, mas ela não é determinada pelo sexo. A sexualidade é o que se constrói no corpo a partir da relação com o outro. Nessa relação, então, entra em jogo o amor e o desejo do outro. Esse outro que toma esse corpo como objeto. Então, tem um corpo em jogo, tem um outro jogo nas relações de amor e desejo, e é nessa tomada desse corpo como objeto do outro é que nós podemos dizer que se constrói, que se constitui a sexualidade. Então, nesses termos, estaríamos no campo de uma esperança, de haver uma complementariedade entre os dois sexos, entre esse outro que toma o corpo do sujeito como objeto, então estaríamos nessa esperança.

A sexuação, não se baseia na divisão, nessa divisão, nesse par binário homem-mulher, nessa complementariedade. A sexuação diz respeito mais a tomada de posição frente aos dois modos de gozo: o gozo fálico e o gozo não-todo fálico, que não se complementam. Importante essa dimensão. Essa escolha que o sujeito faz, vamos dizer, quando ocorre a sexuação, essa escolha leva muito mais a uma relação de suplementação, que não se dá entre aqueles que escolheram um lado do quadro da sexuação do Lacan, com aqueles que escolheram o outro lado do quadro de sexuação do Lacan. Essa é uma ilusão que muitas vezes também ocorre de pensar que a relação pode ocorrer entre o lado homem e o lado mulher. Justamente quanto à sexuação, o que o Lacan mostra é que se dá pela satisfação com o outro gozo. Então, é assim que um encontro pode ocorrer, mas é da ordem da contingência, é da ordem do real, assim como o amor. Então, não há complementação, complementariedade, mas, sim, suplementação, porque não se trata de relacionar um com o outro, fazendo existir a relação sexual.

Gabriel Caixeta: Como o eixo temático escrito por você toca no mistério da sexuação, tema das nossas jornadas?

Rômulo Ferreira: Então, eu gostei dessa pergunta, porque ela pode ser respondida, assim de cara, de uma maneira muito simples. O eixo três toca no mistério da não-sexuação. Digo isso porque, se nós estamos abordando a sexuação como uma escolha, nós podemos retomar, de alguma maneira, a insondável decisão do ser. No sentido de perguntar o porquê que um sujeito decide por acolher o Nome-do-Pai ou foracluí-lo. Talvez em termos da sexuação, essa escolha estaria também nessa ordem da insondável decisão do ser. Então, a escolha de não se posicionar frente aos modos de gozo, o gozo fálico ou o gozo não-todo fálico, também se apresenta como um mistério. É nesse sentido, que nós podemos discutir nas Jornadas esse tema do sexo na psicose. Na psicose nós podemos falar, talvez, de sexo, de sexualidade, mas de sexuação acho que as coisas ficam mais confusas. Acho que não foi à toa que Lacan abordou, em Schreber, o empuxo à mulher, porque ele não tem uma relação com o falo no sentido de fazer valer a função fálica. Então, não é do lado homem, no sentido do gozo fálico, nem do lado mulher, no sentido do gozo não-todo fálico. É uma não-relação com o falo e, portanto, um gozo que se encontra sem limites. Eu colocaria aí dessa forma para gente pensar a importância que tem a questão do Eixo três, por tocar exatamente a não escolha, o mistério da não-sexuação.

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