skip to Main Content

EDITORIAL BOLETIM ARRANJOS EXTRA #2

Fonte pixabay

Fonte pixabay

Por Hítala Gomes

Bem-vindos a mais um Boletim Arranjos, dessa vez, numa edição Extra!

Estamos cada vez mais perto das Jornadas de trabalho da SLO, e percebemos a necessidade de fazer um boletim mais epistêmico e orientador. O que não seria possível sem a colaboração da Cristina Drummond, com seu texto “O mistério da sexuação”, e da Silvia Tendlaz, com o texto “Homens e Mulheres”. Ambos foram utilizados nas atividades preparatórias, e são de uma clareza e importância fundamentais.

Cristina inicia o seu texto tentando esclarecer os conceitos orientadores das Jornadas, Mistério e Sexuação. O termo mistério para Lacan se aproxima da maneira como gozo e o sistema do Outro podem se manter juntos, enquanto o termo sexuação, embora não esteja presente no dicionário brasileiro, diz respeito a algo da sexualidade, que aparece em muitos outros discursos. Existe um x que não tem correspondência entre o simbólico da linguagem e o real, a partir da sexuação biológica.

Se inicialmente, para Lacan, é por meio do complexo de castração, que se instala no sujeito uma posição inconsciente, que o permite se identificar ao tipo ideal do seu sexo, em 1970 ele anuncia um além do Édipo, fazendo uma virada significativa e importante na teoria. Trata-se agora, de um encontro com um real diante do qual o sujeito trabalha para se arranjar. A sexualidade deixa de ser pensada como identificação com os ideais masculinos e femininos e passa a ser pensada a partir de uma decisão do sujeito, por meio da escolha de gozo.

De acordo com Drumond: “A posição que o sujeito toma desde sua infância em relação ao fator sexual constitui o gérmen de sua diferença absoluta, a qual não se enraíza na segregação. Nem hetero, nem homo, nem trans, todo falasser experimenta em seu corpo que não há objeto adequado para a pulsão e que não existe nem complementaridade nem harmonia sexual entre os seres infectados pela linguagem”.

Existem arranjos, contingentes e sintomáticos, sustentados mais por uma amarração fantasmática do que por uma solução de sexuação. E uma questão que Cristina nos convoca a pensar é: Como cada um aprendeu a fazer com o que tocou tão cedo seu corpo falante?

Em seu texto ela relembra e traz novamente em cena alguns casos clínicos de Freud (Hans, homem dos ratos, homem dos lobos) apontando como a assunção de uma posição sexuada é uma invenção ou uma defesa diante do real sexual. Lacan, ensina ainda, a partir de sua leitura de Gide, que nem tudo está decidido aos cinco anos de idade, e que a construção da relação do sujeito com o desejo e com o outro continua na adolescência.

Por meio da topologia, Lacan ensina e ajuda a pensar que a amarração do gozo com a alíngua e o corpo terá que ser feita por cada sujeito, como solução sintomática.

Cristina marca que a diferença sexual só se atinge pela via lógica, e cabe ao analista não apenas saber ler essa lógica, mas também, acompanhar suas consequências.

O texto da Silvia Tendlarz, complementa e esclarece o tema da sexuação. De uma maneira muito clara, acessível e precisa, ela explora este tema tão complexo e importante.

Ela inicia o texto apontando que não se trata da distinção anatômica, enquanto Freud distinguia masculino e feminino quanto a atividade/passividade, Lacan propõe dois tipos de gozo que determinam as posições do sujeito, o gozo masculino e o gozo feminino. Porém, nenhuma dessas posições são exclusivas dos homens ou das mulheres, mas são dependentes das posições do sujeito.

Esse texto tem uma abertura e um questionamento para se pensar a clínica da diversidade sexual, através da pergunta que ela mesmo nos coloca e nos convoca: “Sob que condições um sujeito pode proferir um ‘[eu] sou’ na ordem sexual?”

Antes de mais nada, “homem” e “mulher” são significantes designados às crianças quando elas nascem, semblantes que são confrontados com sua imagem e com o real do gozo sexual. Ela retoma, assim, o que Miller havia apontado no seu texto “Em direção à adolescência”, que existe uma antecipação da posição adulta na criança. Isto é, a sexuação marca uma atribuição que vem do Outro e ainda, para um consentimento que irá efetivá-la.

Silvia trabalha de uma forma muito objetiva e transmite muita clareza ao desenvolver as “fórmulas da sexuação”. É por meio das “fórmulas da sexuação”, que Lacan distingue a escolha do sexo pelo ser falante, da escolha do objeto. Se do lado do homem existe um gozo fálico, e ele está “perversamente orientado”, do lado da mulher há uma divisão desse gozo, e se inclui aí, um gozo suplementar, ilimitado. Ser mulher não é ter um gozo suplementar, isso pode acontecer ou não. Pelo lado feminino, o gozo não possui um estatuto autista, mas está completamente relacionado com o significante do Outro barrado.

Em todo ser falante existe um gozo opaco e fora de sentido, efeito do acontecimento de corpo. De acordo com Silvia:A partilha entre masculino e feminino dos seres que falam, não se sobrepõe ao binarismo homem e mulher, e não estabelece qualquer reciprocidade.”

Como podem perceber, o boletim está imperdível. Os textos se complementam, esclarecem a teoria e nos ajudam a pensar sobre um tema tão delicado e necessário nos tempos atuais. É importante apoiar-se nas referências de Lacan para entender a solução encontrada por cada um diante do mistério da sexuação, como cada sujeito aprendeu a se virar com o real que tocou seu corpo falante. Isso dá também um espaço aos discursos atuais de gênero, dando lugar para novas interrogações e por que não, para novas respostas?

Boa leitura!

Back To Top