#00
Editorial Boletim Arranjos #04
Por Renata Tavares Imperial – Coordenadora da Comissão do Boletim Arranjos
O segundo Eixo Temático das III Jornadas da Seção Leste Oeste, Parcerias sintomáticas, é o tema que norteia a escrita dos textos que compõem este Boletim Arranjos #4.
Cristiano Pimenta, no argumento deste Eixo, publicado no Boletim Arranjos #1, faz considerações fundamentais para pensarmos este tema, dentre elas destacamos aqui dois pontos: a relação do sujeito com o Outro e a relação com o corpo vivo e sexuado, o próprio e o do outro. Em ambos, o que está em jogo é a relação com o real e o gozo. Neste sentido, o conceito de parceiro-sintoma forjado por Miller acentua e articula a relação do sintoma com o real, e aponta que alguma parceria com este é possível, na medida em que “o sujeito lacaniano é impensável sem um parceiro”[1].
Partimos da seguinte constatação elaborada por Miller: “Se ele [sintoma] é da ordem do real, trata-se de um real bem particular, já que seria real para Um e, portanto, não para o Outro. Como se sabe, é próprio ao real que só se o aborde um a um, e dessa constatação decorrem inúmeras consequências. (…) Considerar que há sintoma para cada um dos que falam significa dizer que, no nível da espécie humana, há um saber que não se inscreve no real. No nível da espécie que fala, não há inscrição no real de um saber que diga respeito à sexualidade, ou seja, não há nesse nível o que chamamos de ‘instinto’, que leva, de forma invariável e típica para uma espécie, rumo ao parceiro”[2]. Esta é a visada da psicanálise de orientação lacaniana, portanto, esta é a via que abordaremos os mal-estares vivenciados na clínica. Algumas perguntas comparecem, dentre elas: quais as saídas para os impasses diante da indeterminação do parceiro sexual, uma vez que não podemos contar com o instinto?
A despeito da impossibilidade de estabelecer uma parceria sexual instintiva e harmônica, uma vez que, segundo Miller (2000), “o sexo não é exitoso em tornar os seres humanos, os parlêtres, parceiros, (…) apenas o sintoma é bem-sucedido quanto a isso” [3], em psicanálise, supomos uma parceria com o sintoma, ou seja, “a experiência analítica mostra que é o sintoma de um que entra em consonância com o sintoma do outro”[4]. O que implica a parceria com o sintoma? Quais as ressonâncias, na clínica, com a proposta milleriana de parceiro-sintoma?
Além disso, também apostamos que o amor seja uma via possível para mediar uma parceria, uma vez que, pelo gozo, ficaríamos solitários, por conta de sua condição autoerótica e autística. Esta é a direção dada por Lacan em sua célebre afirmação “só o amor permite ao gozo condescender ao desejo”, ou seja, na condição de ser falante perdemos o acesso direto ao gozo, portanto, necessitamos do amor para alcançá-lo. Em outros termos, Sônia Vicente, afirma que “desde sempre, o falasser tenta dar conta da sua relação com o Outro, dar conta da sua parceria sintomática. Referir-nos ao parceiro sintoma é afirmar que aquilo pelo que o falasser se interessa, procura, é o gozo, a partir do Outro. Isso quer dizer que, entre falasseres, tanto na posição feminina quanto na posição masculina, há sintoma”[5].
Ainda com esta autora, em seu texto Quando o ideal de amor faz sintoma, que encontrarão neste Boletim, aprendemos que, com a experiência de análise, o falasser pode se haver com seu gozo e, mais ainda, “apreender que só há gozo do corpo próprio e da sua fantasia”, bem como viver “um novo amor, (…) o que Lacan aspira como ‘amor mais digno’– amar o seu traço-letra – seu sinthoma”[6].
Agradecemos a Sônia Vicente pela autorização da publicação de seu texto neste Boletim. Esperamos que os leitores façam um bom uso de suas articulações teóricas e clínicas.
Seguindo na via aberta por Miller, os textos deste Boletim Arranjos #4 abordam as parcerias sintomáticas por diferentes caminhos, mas tendo como fio condutor o conceito parceiro-sintoma, em articulação com a contemporaneidade quando o parceiro não é mais o Outro, na medida em que vivemos em tempos em que o Outro não existe[7], o que, consequentemente, eleva o parceiro ao “zênite social”[8].
Uma última consideração, com tom de convocação à leitura deste quarto Boletim, bem como à escrita dos trabalhos a serem apresentados nas Jornadas: se tomamos como orientação o que Miller (2000) elabora, “se há sintoma, então não há saber no real sobre a sexualidade. Se há sintoma, então não há relação sexual, há não-relação sexual, há uma ausência de saber no real que diga respeito à sexualidade”[9], isto implica que, para a psicanálise, não existe um saber que esteja dado, que basta prová-lo e aplicá-lo cientificamente, como é a proposta da ciência. Isto também não quer dizer que a psicanálise não possua um saber, mas, sim, que este saber terá que ser construído por cada um que se submeta à experiência analítica, seja como analista ou como analisante. Neste sentido, esperamos que cada leitor deste Boletim seja instigado a testemunhar seu querer saber singular sobre as parcerias sintomáticas vivenciadas em sua clínica e ou em seus estudos, e assim contribuir com o tema de nossas Jornadas o Mistério da Sexuação.
Desejamos um bom uso deste Boletim!