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D’A mulher para a: de um Outro ao outro

Por Alberto Murta

É preciso tentar comentar este ponto que diz respeito a uma abordagem teórica do gozo feminino e que emerge na aula de 14 de maio de 1969 do Seminário, livro 16: de um Outro a outro. Eis a passagem: “foi o gozo feminino que sempre permaneceu, na teoria, como também lhes assinalei, em estado de enigma analítico”.[1]

De imediato, podemos constatar que aqui, Lacan já sinaliza o lado misterioso, o lado enigmático, do gozo feminino inerente à experiência de uma análise. Ao menos na teoria, o gozo feminino continua portando algo de indecifrável em 1969. Ora, se seguirmos uma outra orientação da investigação lacaniana dessa mesma aula, constatamos a emergência de um outro gozo, agora, gozo absoluto. Esse gozo corresponde ao significante fálico. “Tudo se reduz a um significante, o falo, que justamente não está no sistema do sujeito, uma vez que não é o sujeito que ele representa, e sim, digamos, o gozo sexual como externo ao sistema, ou seja, absoluto”.[2]

Ele isola também esta categoria do Falo como simbólico na aula de 25 de junho de 1969. Depois de um questionamento, o significante Falo vem à superfície. “Qual é o significante S1, que está na ponta? O Phi maiúsculo, Φ, o sinal do que seguramente falta à mulher nesse negócio, e é por isso que é preciso que o homem o forneça.”[3].

É assim que as referências que Lacan utiliza para explicitar o laço entre a posição subjetiva histérica e a Outra mulher têm ressonâncias com o que se passa com a clínica clássica das neuroses. Em primeiro lugar, na aula de 18 de junho de 1969, ele adianta que o sujeito mulher se sustenta pela via fálica. É assim que a mulher tem o Falo como suporte. Por conseguinte, ela é o falo para o homem na medida em que, ele mesmo, o forneça para ela.

Lacan nos faz ver que a histérica se define por não se tomar pela mulher. Como assim? Em quê ela não se toma pela mulher? A histérica faz do sujeito mulher um suposto saber. Recordando Dora, ele indica: “Em outras palavras, e lembrem-se de Dora, a histérica fica interessada, cativada pela mulher na medida em que acredita que a mulher é que sabe o que é preciso para o gozo do homem”[4].

Seguindo o comentário lacaniano, ainda nessa aula, encontramos duas passagens onde ele resume o lugar da mulher como sujeito suposto saber para a histérica. A mulher para a histérica é aquela “que supostamente sabe, enquanto, no modelo é inconscientemente que ela o sabe”.[5] Ou, no que se segue, a histérica “banca o homem que suporia que a mulher sabe”.[6] Essa pequena construção mostra como a mulher é referência para a histérica. Como sair dessa lógica fálica tão presente na posição subjetiva histérica? Tropeçamos nesta passagem esboçada nesse Seminário. Essa passagem funcionou para nós, como um alarme misterioso, na medida em que Lacan nos apresenta o analista como “sintoma que resulta de uma certa incidência na história, que implica a transformação da relação do saber, como determinante para a posição do sujeito, com o fundo enigmático do gozo”.[7] O fundo enigmático do gozo se encontra aquém ou além do gozo fálico? Será que este pano de fundo gozoso e enigmático não cria condições de uma possível saída da posição subjetiva histérica? Logo, estamos preparando o caminho para uma caída d’A mulher, tão presente na reivindicação fálica, para uma outra modalidade de gozo, o enigmático, inventado por Lacan como objeto a.

O falo, como tendo o estatuto de um gozo absoluto, traz a marca de um limite, a partir do qual Lacan será levado a situar o gozo feminino como não-todo. No debate entre os capítulos desse seminário, é possível que se tenha indícios de uma disjunção entre a fórmula da sexuação masculina, como universal, e a da sexuação feminina, como não-toda universal. O universal que brota aqui passa a ser lido como inerente a sexuação do macho, isto é: do lado do gozo do macho o universal encontra-se articulado tanto à castração como à linguagem.

No primeiro movimento, tudo girava ao redor do gozo fálico, e essa chave fálica dava o testemunho de um gozo fora corpo, ou mesmo, fora sistema. Agora, saímos do todo universal, e chegamos ao testemunho de uma mulher não-toda no que se refere ao gozo fálico. Sendo assim, esta uma mulher sendo não-toda fálica passa a ter seu próprio corpo como local de seu gozo, o gozo feminino.

Entramos na zona dos mistérios quando habitamos este gozo feminino. Jacques-Alain Miller constata no seu curso intitulado: “O Um sozinho”, que essa via aberta por Lacan relativa ao gozo feminino cria condições de elegermos aí, o gozo como tal.


[1] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 311.
[2] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 310.
[3] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 381-382.
[4] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 373.
[5] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 373.
[6] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 373.
[7] LACAN, J. O Seminário, livro 16: de um Outro ao outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 45.
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