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Boletim Devaneios #03

#03 – JUNHO 2023

Um convite à loucura

Cristina Alves B. Santos
Integrante da Subcomissão de Boletim

“A partir de quando se está louco?” foi a questão que intitulou a fala de Márcia Rosa na atividade preparatória da Seção Leste-Oeste da EBP[1] rumo ao XIV Congresso da AMP. A resposta a essa pergunta pareceria óbvia a um leitor desatento de Lacan, algo que Miller nunca foi. E é justamente partindo do seminário “Todo mundo é louco”, de Miller, que Márcia Rosa apontou um percurso importante para compreender a sua questão.

Ela começou sua fala com um resumo do que Miller elaborou, mais precisamente no capítulo XVIII, a respeito da proximidade entre o sonho e o delírio. Para ele, na medida em que todo sonho aborda uma ficção, uma fantasia, um delírio…, sonho e delírio são da mesma ordem: algo que nos permite tratar o real insuportável. Por isso, Miller constata que “todo mundo é louco, delirante” equivale a “tudo não é mais do que sonho”.

A partir disso, Rosa introduziu os principais momentos que ela considera marcantes no ensino de Lacan em relação à questão da loucura:

  1. Em 1946[2], quando Lacan diz que “não fica louco quem quer”, isto é, o sujeito está louco quando perde a possibilidade de querer;
  2. Em 1978, quando Lacan diz que “todo mundo é louco, isto é, delirante”[3], o que, na interpretação de Miller, quer dizer que, quando excessivamente despertos, perdemos a possibilidade de sonhar ou mesmo de delirar;
  3. E em 1975[4], no seminário sobre o sinthoma, quando Lacan coloca a constatação da existência de um exílio diante dos sexos como sintoma central da análise.

Enfatizando o seminário 23, ela então fez a seguinte pergunta: haveria uma singularidade de Joyce frente ao delírio generalizado ou, se a relação entre o artista e Nora lhe cai como uma luva, não haveria uma generalização do delírio? Para Márcia Rosa, onde o sujeito acredita na existência “dA mulher”, o delírio não se generaliza, isto é, pode ser aí que reside a loucura.

A partir desse recorte preciso que ela fez de alguns momentos cruciais da transmissão de Lacan sobre a loucura, acrescento que também é relevante questionar “que loucura é essa” de que falamos a cada enunciado, para lembrarmos o tema das IV Jornadas da EBP-LO.


[1] Realizada no dia 23 de maio de 2023, em modalidade on-line pela plataforma Zoom.
[2] Pronunciado em 28 de setembro de 1946 nas Jornadas Psiquiátricas de Bonneval. Publicado e disponível em: LACAN, J. “Formulações sobre a causalidade psíquica”. In: Escritos; tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 153-165.
[3] LACAN, J. “Transferência para Saint Denis? Lacan a favor de Vincennes!” In: Correio, Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, (65). São Paulo: abril, 2010/1978, p.31.
[4] LACAN, J. O Seminário, livro 23: o sinthoma. (1975-1976). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller; tradução Sergio Laia; revisão André Telles. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
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