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As psicoses e seus sexos

Fonte pixabay
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Fábio Paes Barreto (EBP/AMP)

Quando colocamos em debate o sexo na psicose, a problemática do corpo está posta em questão logo de saída. Se o neurótico pode contar com um corpo que dá suporte ao sintoma, na psicose o problema é bastante distinto, trata-se dos esforços para se forjar um corpo ou uma prótese corporal possível. Se o falasser não está inscrito na função fálica, em que medida pode ele sorver do gozo sexual, fálico propriamente dito? Ou alguma amarração contingente pode lograr, dentre outros aspectos, algo que se aproxime da função fálica? As suplências pela via do sinthoma são paradigmáticas nesse aspecto. Mas, ao contrário do que acontece com os artistas e os “loucos literários” (James Joyce, Samuel Becket, Rousseau), essa não é a modalidade de estabilização mais frequente. Coloca-se, assim, o problema de como o analista pode secretariar o psicótico rumo a uma estabilização por uma outra via – a da compensação, como propõem Augustin Ménard e Jean-Claude Maleval. O sexo, no âmbito da foraclusão do Nome-do-Pai, também está sob a premissa do empuxo-à-mulher. A feminização na psicose, podemos tomar como um empuxo à mulher toda, é dizer, um empuxo ao Outro gozo (ou o gozo d’A mulher). O franqueamento para o Outro Gozo sem incorrer num desencadeamento franco da psicose é algo que novamente traz à baila a clínica da estabilização psicótica – uma clínica, por excelência, feita de enodamentos, desenodamentos e de manipulação dos nós. Dessa série, culmina o real da relação sexual que não existe. Para Joyce, propõe Lacan no Seminário 23, a relação sexual é possível na contingência do sinthoma. Mas, essa ex-sistência não acontece sem particulares: está lá, por exemplo, a marca da 0. E na esteira dela, o modo como Joyce consegue se haver com uma mulher – Nora é tomada por ele muito menos na vertente do desejo do que do gozo, haja vista as cartas pornográficas que o marido lhe enviava. Podemos, ainda, depreender que, para o falasser inscrito na carência do pai, a vocação em fazer existir a relação sexual pode desembocar no delírio franco, em se tratando de uma psicose desenodada.

O fenômeno trans parece realizar, na cultura, o desejo de dispor de uma mulher com pênis ou uma mulher toda. Nos tempos da autodesignação sexual, como um psicótico pode se dizer trans, homo, hétero, cis ou trans, uma vez que foi constituído, para sempre, em torno de uma Ausstoßung fundamental? Como bricolar uma suplência ou compensação a produzir efeitos de amarração nos três registros – no imaginário, um corpo possível; no simbólico a função de nomeação e de estabilização da cadeia significante; e no real, de regulação, aparelhamento e localização do gozo – e, por consequência, poder ocupar um lugar na tábua da sexuação?

Tais questionamentos vêm a reboque de provocações, que buscam estimular e franquear caminhos para os colegas da EBP se colocarem na empreitada dos trabalhos a serem apresentados, conforme o eixo temático 3 – O sexo nas psicoses, das III Jornadas da EBP/Leste-Oeste “Os Mistérios da Sexuação”.

Mãos à obra e que tenhamos excelentes produções!

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