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Algumas pontuações sobre os avanços de Lacan com as fórmulas da sexuação

Por Victor Caetano
Fonte pixabay

Freud realizou inúmeros progressos a respeito do estudo da sexualidade humana. Bons exemplos são os dois pontos seguintes: 1) uma oposição entre masculino e feminino que não se reduz somente à genitalidade, biologia ou socialização, mas sim que diz de um par masculino-feminino que teria a ver com as fantasias, que a experiência analítica pode investigar; 2) a sexualidade infantil, enquanto perverso-polimorfa, o que remete à noção de uma bissexualidade inerente ao ser humano – o inconsciente indiferencia masculino e feminino – que se mantém ao longo da vida, implicando que haja “em todo ser humano uma síntese, mais ou menos harmoniosa e mais ou menos bem aceita, de traços masculinos e femininos”[1].

Com Lacan, mais avanços foram feitos em relação à sexualidade. Ele elegeu o termo sexuação, que designa a partilha na qual pode-se localizar os seres falantes entre dois modos de gozar – masculino e feminino. As chamadas fórmulas da sexuação, elaboradas por Lacan, em 1972-1973, são proposições lógicas que traduzem tanto a diferença sexual, quanto algo que diz respeito à sexualidade feminina. Tais sistemas podem ser encontrados, principalmente, nos Seminários XIX e XX – “Ou pior…” e “Mais, ainda” -, além do artigo denominado “O aturdito”[2].

Pode-se afirmar que o que faz Lacan com tais fórmulas é, também, dar um passo à frente com relação a noções freudianas como as supracitadas. Além disso, o psicanalista francês se utilizou da formalização lógica e, já após pouco mais de duas décadas do início de seu ensino, distribuiu e enlaçou elementos do arcabouço teórico que constituiu para falar de dois sexos que não se reduzem nem à anatomia, nem ao papel social. Um destes elementos é justamente o que mais importa na partilha dos sexos lacaniana: o gozo.

Neste momento, Lacan está preocupado em localizar os seres falantes com relação a um gozo outro e ao gozo fálico. O primeiro, em suma, é um gozo não submetido à castração, ilimitado e opaco, enquanto o segundo é limitado e, portanto, refém da ameaça de castração. Tal localização se dá a partir de quatro proposições lógicas, sendo duas de caráter universal e duas de caráter particular, que podemos trazer da seguinte maneira:

  • “Todos os homens têm o falo” – Universal positiva, lado masculino.
  • “Nenhuma mulher tem o falo” – Universal negativa, lado feminino.
  • “Existe ao menos um homem para quem a função fálica não incide” – Particular positiva, lado masculino.
  • “Não existe ao menos um X que constitua uma exceção à função fálica” – Particular negativa, lado feminino.

Ora, as duas primeiras proposições corroboram com a posição freudiana relativa à libido única – monismo da libido. Isso quer dizer equivaler o falo ao pênis e supor uma complementaridade entre os dois sexos. Recai-se na noção freudiana de uma equação em que masculino-feminino seja igual a ativo-passivo[3]. Entram em jogo negações da função da castração e da diferença sexual, já que, em Freud, nos deparamos com o monismo que apenas permite enxergar a diferença no nível anatômico.

Já com as duas outras proposições, Lacan pretende demonstrar uma dissimetria. Em “existe ao menos um homem para quem a função fálica não incide”, o “ao menos um”, a exceção, funda o conjunto universal. Aqui, o homem faz série. Esta exceção – “ao menos um”, au moins un, homme moins un – seria o pai da horda primeva de Totem e Tabu, pai simbólico e originário que goza de todas as mulheres, detém um gozo absoluto. Feita a ressalva e fundada a totalidade tem-se, então, para todos os outros homens, o gozo fálico. Convém destacar que o falo, na concepção de Lacan, é significante, sendo a função fálica uma função simbólica.

Com relação à proposição “não existe ao menos um X que constitua uma exceção à função fálica” há que se ter em vista a inexistência de um equivalente ao pai da horda para as mulheres. Portanto, ao não poder dizer de uma exceção, não fundamos um universal, não podendo, assim, dizer d’A mulher. Daí as mulheres serem tomadas uma a uma.

É importante lembrar, ainda, que o gozo feminino é bipartido, podendo estar, tanto do lado do gozo fálico, quanto desse gozo sem limite, opaco e suplementar. Surge uma importante diferença: suplementar x complementar. Se o monismo freudiano e o binarismo atividade-passividade supunham complementaridade, o que é proposto, na dissimetria entre os sexos, é que há um gozo fálico e outro gozo que é suplementar. Na esteira do exposto até aqui, pode-se afirmar, com Antônio Teixeira (2015), que o proposto nas fórmulas da sexuação é “uma oposição entre o Universal e algo que não se universaliza”[4].

Para além da questão do gozo, a tabela da sexuação nos permite pensar sobre o objeto a, os semblantes, o amor, as parcerias sintomáticas e muitas outras construções, tanto do campo psicanalítico quanto de outros por exemplo, os estudos sobre gênero – que podem se imbricar, se articular e se localizar a partir da ausência de proporção entre os sexos para os seres falantes. As tábuas da sexuação podem e devem nos servir e nos colocar a trabalho quanto às inúmeras formulações possíveis a respeito de assuntos que contemplem as questões contemporâneas e nos mantenham alcançando, em nosso horizonte, a subjetividade de nossa época[5].


[1] LAPLANCHE, J; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2022. LAPLANCHE, J.; LECLAIRE, S. (1961).
[2] ROUDINESCO E PLON. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
[3] LIMA, V. M. (2017) As tábuas da sexuação, os gêneros e o contemporâneo. Opção Lacaniana Online nova série. Ano 8. Número 23.
[4] Teixeira, A. (2015). A fundação violenta do universal. Derivas analíticas, 3, set. 2015. Acesso em 20 de Junho de 2022, de http://www.revistaderivasanaliticas.com.br/index.php/universal.
[5] LACAN, J. “Função e campo da fala e da linguagem”. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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