15 de setembro de 2022
A Subversão freudiana a partir dos “Três ensaios”
Por Hítala Gomes e Lucas Fraga Gomes
O texto freudiano Três ensaios para a teoria da sexualidade é de fundamental relevância, pois apresenta o conceito da pulsão, que tem uma importância primordial para a psicanálise.
Freud demonstra que a pulsão não tem sua origem apenas na zona genital, ela não se refere ao ato sexual em si ou a uma necessidade de reprodução. A origem da pulsão se dá justamente nas zonas erógenas, que podem ser qualquer parte do corpo. É por meio da intromissão da linguagem no corpo da criança que essas zonas se tornam erógenas. Isso é o que permitirá Lacan afirmar no Seminário 23 “[…] as pulsões são, no corpo, o eco do fato de que há um dizer […]” (LACAN, 1975-1976/2007, p.18).
Como consequência disto, Freud apresenta uma concepção de infância que rompe com a ideia de pureza e inocência: a criança também porta uma sexualidade, ou seja, ela busca obter algum tipo de satisfação. Desse modo, ocorre uma ampliação no conceito de sexualidade.
Nesse texto, Freud indica que todos os indivíduos são perversos polimorfos, uma vez que buscam satisfação de diversas formas. O fundamental aqui é o prazer, a satisfação, e não a reprodução. Por isso, ele considera que toda pessoa sadia acrescenta algo de perverso ao objeto sexual.
A pulsão, portanto, é entendida como um desvio do instinto. A boca, por exemplo, que teria uma função biológica na alimentação, se torna uma fonte de prazer, na medida em que a criança está apenas sugando o dedo para obter satisfação.
Pensar na amamentação é também uma boa forma de pensar a pulsão. Um bebê não recorre ao peito da mãe somente para se alimentar, por fome ou por sede. O peito é também um conforto para alguma dor, uma necessidade de contato, uma vontade de dormir. Por outro lado, cabe também à mãe, tentar chegar nessa medida necessária de cuidado e de afeto. Como não ultrapassar esse limite?
Para Freud, o despertar da pulsão ocorre a partir dos cuidados maternos, e isso possibilita todo desenvolvimento do sujeito, incluindo as realizações éticas e psíquicas. Se, por um lado, a falta de cuidado e de ternura terão efeitos futuros na vida da criança, o excesso de cuidado é, também, perigoso, uma vez que poderá acelerar a maturidade sexual, ou ainda, tornar a criança incapaz de lidar com as frustações posteriores, por não conseguir abrir mão desse excesso de amor.
A atualidade do texto freudiano
As zonas erógenas realizam um movimento que vai do autoerotismo até uma primazia do genital durante o período da adolescência e, mesmo que esse movimento se apoie no corpo do sujeito, é possível entender, com Lacan, que essa organização se dá justamente pela entrada do Outro.
É a partir dos cuidados do Outro, da língua do Outro, que ocorre uma certa tentativa de enquadramento do pulsional. Além disso, a função do Nome-do-Pai encarnada por esse Outro abre a possibilidade de falar sobre o que há de silencioso na pulsão.
O momento atual é marcado por uma queda do Nome-do-Pai, época em que a lei simbólica já não tem o mesmo estatuto, então surgem diversas questões: quais os efeitos desse real desordenado para os sujeitos (em especial para as crianças e para os adolescentes)? Será que essa indicação da mudança do estatuto do Nome-do-Pai (e consequentemente da significação fálica) permite pensar alguns sintomas que aparecem hoje na clínica, tais como o corpo agitado das crianças e, também os sujeitos adolescentes que se queixam de uma total ausência de desejo? Como podemos pensar o pulsional, retomando o texto freudiano de 1905, em pleno século XXI? Como pode o analista operar em sujeitos que encarnam a pura repetição do pulsional, descolados do Outro?