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A QUE SERVE O SINTOMA?

Por Ceres Lêda F F Rúbio 
Fonte pixabay
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O sintoma é humano, característica singular que faz a diferença na natureza entre os animais, pois o desnaturaliza. É a confirmação da imersão do humano no simbólico e da existência desse, da linguagem, da cultura do Outro, da existência do inconsciente e mais presentemente, do acontecimento de corpo que constrói um falasser, resultado do encontro do corpo com a linguagem. É pela via do sintoma que se faz laço e por onde se goza.

Freud apresentou o sintoma como resultado de uma repressão a um prazer, um desvio encontrado pela pulsão para poder se realizar. Inicialmente bastava a interpretação da fantasia ali recalcada para que ele desaparecesse. Entretanto, a resistência dos sintomas fez com que ele criasse diversos conceitos para explicar essa obstinação persistente, como a transferência negativa, o masoquismo primordial, a pulsão de morte. Lacan segue adiante avançando à respeito de um saber sobre o sintoma, o tomando não como aquele que seria uma disfunção, que promoveria obstáculos, mas, sim um funcionamento. O sintoma não abdicaria ao funcionamento do saber no real, ele participaria desse funcionamento e por isso, ele seria da ordem do real (2008/2020, p.26). Ao contrário de uma disfunção seria aquele que restabeleceria o funcionamento do falasser, ele faria uso dele, dando ao falasser um lugar no mundo, um destino.

Miller no seminário o Parceiro-Sintoma (2008/2020, p. 12), enfatiza o sintoma como um termo no ensino de Lacan que permanece errante. Destaca quatro lugares que ele ocupa na psicanálise lacaniana. No último ensino, se apresenta como um quarto elemento, más uno, no ternário fundamental para atar de modo borromeano os três registros ou como um elemento substituto, suplementar, diante de uma falha do enodamento entre o imaginário, o simbólico e o real. No início do ensino ele é uma formação do inconsciente e situado na mesma direção do simbólico. Ele pode ser também, aquele que se apresenta alojado no registro do real, e, em uma quarta posição, sob a categoria de semblante, reunindo o simbólico e o imaginário em relação ao real, nesse ponto, o sintoma, podendo ocupar-se como suplemento, na mediação ao binário do semblante e do real.

Nesse seminário, inicialmente, o sintoma aparece como a emergência de uma verdade, a verdade que revela algo e que perturba o saber sobre o real (p.24-26), concordando com Freud que a interpretação seria reveladora. Mas, de que verdade se trata? Lacan, no seminário de um discurso que não fosse semblante (1971/2009, p.24-27), aponta que o discurso da psicanálise que interessa sobre a verdade e a ciência diz respeito a um campo da verdade que é consequência de nossos discursos, que seria a fantasia, e que ela resiste e não é passível a atravessar a todos os sentidos. Aqui o sintoma é posto como equivalente à fantasia. O sintoma como aparato para emparelhar o sujeito e o pequeno a, um mediador entre o sujeito e o gozo por intermédio da significação do Outro.  (MILLER, 1998, p. 16-17).

A partir da teorização de Aun, da construção do axioma não há relação sexual, da concepção do falasser como um acontecimento de corpo a partir da incidência da linguagem no corpo, e desse modo a existência de um inconsciente real. Podemos concluir junto com Miller, acompanhado de Lacan, que o sintoma não se pode atravessar, não se pode deixar cair como se articulava no passado como um final de análise, no atravessamento da fantasia. O sintoma resiste. Seria o termo que agrega dois modos de funcionamento que se opõe, um da ordem da verdade e o outro, do gozo. Por um lado, como verdade é a formação do inconsciente, é da ordem do simbólico, admite-se um inconsciente transferencial e interpretável, e, por outro lado, o sintoma como gozo, da ordem do real, um meio da pulsão que insiste em satisfazer-se reiteradamente, a repetição se impõe confirmando a existência de um real que não cessa de se inscrever, a existência de um inconsciente real. No último ensino de Lacan, não se trata do sintoma como verdade e sim dos efeitos do sintoma como gozo.

Pode-se dizer que ele está sempre lá, mas, é lido na psicanálise conforme a teoria vai avançando e acompanhando as mutações culturais e manifestações do humano de acordo com sua época e tempo. Um errante! Um instrumento (MILLER, 2008/2020, p.14) que se faz uso, a análise seria aquela que daria condição ao falasser a um saber fazer com o sintoma, a um savoir y faire. Um saber fazer com o gozo.

Quando Miller diz sobre o parceiro-sintoma está indicando a necessidade de uma nova definição do Outro como meio de gozo. Esse Outro representado pelo corpo e como lugar do significante (Idem, p.410). Um modo de gozar duplamente, diz ele, gozar do inconsciente e gozar do corpo do Outro, o corpo próprio. Isso confirmando o axioma “não há relação sexual”, explicando que os parlêtres, como seres sexuados, formam pares não no nível do significante, mas no nível do gozo, mas, que esse vínculo, esse laço é sempre sintomático. Nessa concepção de que a simbolização não só mantém o gozo, mas a produz. E aí temos uma simetria entre o termo parlêtre e parceiro-sintoma.

O falasser a partir do sinthoma continuaria gozando sintomaticamente e se apresentando em um “soy como gozo”, seguindo na vida a sua maneira, singularmente, em uma parceria de ser e gozo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LACAN, J.  O Seminário, livro 18, de um discurso que não fosse semblante (1971). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 24-27, 2007.
MILLER, J. A. El Partenaire-Síntoma – Los cursos psicoanalíticos de Jacques-Alain Miller (2008), Buenos Aires, Ed. Paidós, 2020.
MILLER, J. A. O sintoma como aparelho. In.: O Sintoma-Charlatão/textos reunidos pela Fundação do Campo Freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1998 (Campo Freudiano no Brasil), p.9-31.
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