15 de setembro de 2022
A ética hor-sexe
Por Juliana Melo
Vamos puxar a cadeira para uma conversação importante, nosso ponto de partida para o Boletim Arranjos 5 é: O sexo na psicose.
Recordamos, com Lacan, sobre a impossibilidade de um encontro entre um homem e uma mulher onde não acorram equívocos, mal-entendidos, pois estes são permeados pela linguagem. Em seu ensino, mais precisamente no Seminário 20, Lacan demonstra, a partir da tábua da sexuação, que há formas do feminino e do masculino para se haver com essa relação que não há. Pensando a partir dessas considerações, a psicanálise também nos demonstra como há sujeitos que tomam essa formulação ao pé da letra, o que Lacan nomeia como fora-sexo.
Neste mesmo seminário, Lacan (1982) partirá do fantástico conto O Horlá, de Guy Maupassant, escrito em 1887, onde o autor se vê perseguido pela presença invisível e enigmática de uma coisa apavorante que ele dá o nome de Horla, para cunhar a ética “hor-sexe”, do fora-sexo, algo que permanece fora, mas também por perto. Lacan toma Horla como um neologismo (no francês hors designa fora), fora de, de fora, uma exterioridade, no exterior de; e o termo ‘lá’ se traduz por lá, acolá, ali. Esse termo o fisgou e ele mesmo nomeou como estranho, abrindo vias para evocar o que, ao mesmo tempo, está ali e também está fora. Ele assinala “Horsexe, esse é o homem sobre o qual a alma especulou” (p. 175)
Um movimento expressivo e atual que podemos tomar como um exemplo do que Lacan nomeia como uma ética hor-sexe, são os incel`s que representam uma subcultura virtual onde se definem como incapazes de parcerias românticas ou sexuais, portanto adotam o que chamam de celibatário involuntário. Eles se reúnem em fóruns virtuais e compartilham entre si de seus mecanismos para o celibatário obedecendo a lógica do que podemos aprender, com Lacan, sobre o fora-sexo. Não é sem importância mencionar que, há para esses celibatários, uma exorbitância do tema do sexo para, assim, mantê-lo fora como uma exterioridade.
Ainda nesse contexto, trago o artista plástico autodidata Macir, que vive em Alto Paraiso, porta de entrada da Chapada dos Veadeiros; é apelidado como Nono e vive em isolamento. Sua arte traz uma obsessão com o sexo e com as formas femininas exageradas. Em seu documentário, ‘Moacir Arte Bruta’, no canal do youtube, há afirmações de que o artista nunca teve contato com o sexual, ou mesmo, com o corpo feminino nu e ainda assim os atenua em suas pinturas.
Para abrirmos um pouco mais as vias de elaboração sobre o sexo na psicose, podemos retomar o que Miller (2008) aponta como ‘uma desordem no ponto de junção mais íntimo do ato sexual, pois, geralmente, a encontramos’. (p. 426). Ele diz: ‘a sexualidade não é típica. Não há vida sexual típica. Nos homens há, às vezes, um empuxo-à-mulher pelo ato sexual. Às vezes há, ao contrário, uma sexualidade que permite se reapropriar do corpo. Às vezes, o corpo se fragmenta. Não há nada específico.’
Miller (2008) aponta para uma quarta externalidade, a do sexual. Usando a mesma lógica das outras três externalidades mencionadas neste texto, a social, a corporal e a subjetiva; podemos entender a questão dos extremos como índices importantes para a escuta clínica do sexo na psicose. (p.426)
A Convenção de Antibes (Miller, 2008) traz algumas ilustrações. Destaco o tópico sobre o encontro com um gozo enigmático de uma moça que fora atendida no momento de sua hospitalização que se seguiu após um acesso delirante. É um caso que nos interessa devido às circunstâncias particulares de um desencadeamento psicótico sem antecedentes psiquiátricos. O episódio psicótico começa logo após uma primeira relação sexual, que ela descreve como uma invasão do corpo por uma sensação estranha, ela se sentia desde então, manipulada fisicamente por seus vizinhos. Nota-se, no relato, um encontro com um gozo enigmático com a falta da significação fálica, e então, o desencadeamento como resposta à foraclusão do Nome-do-pai e ao desprovimento do simbólico. (p. 35)
Para concluir, é preciso recordar que, cabe ao analista, em exercício clínico de recolher e de interpretar, a cada caso, esses que podem ser índices que apontam para as psicoses, e ainda, destacá-los das soluções contemporâneas para o sexual de cada sujeito em sua singularidade.