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IORDAN GURGEL – (AME-EBP/AMP)

Uma referência presente no argumento do Eixo I (O que dizer das parcerias nas psicoses e no autismo?)[1]“Vê-se, em Joyce com Nora, um encontro contingente, que coloca em jogo tudo o que marca cada falasser: o traço de seu exílio da relação sexual, a solidão, o real da relação sexual que não existe” – deu-me o mote para trazer esta contribuição ao Boletim Desequilíbrio.

Como sabemos, a solidão é uma condição de todo sujeito que fala. Isso significa que, ao se dirigir ao Outro, há sempre algo que não se transmite, algo que não se compartilha completamente. Trata-se da solidão própria do sujeito falante: a linguagem – enquanto campo do Outro – nunca consegue dar conta da experiência de gozo, daquilo que escapa à significação.

Assim, para Lacan, o sujeito se constitui a partir da linguagem, na relação com o Outro. Mas essa relação jamais é de completude: há sempre um furo, uma falta estrutural. E é nessa condição que a solidão surge – não como um isolamento contingente, mas como efeito estrutural do fato de sermos sujeitos do inconsciente. Esta é a condição do sujeito neurótico.

Na psicose, porém, a solidão adquire outra ordem, pois há uma relação alterada com o Outro: verifica-se a foraclusão do Nome-do-Pai, o que implica a ausência do significante que permitiria regular a cadeia significante a partir do Outro – não se estabelece a metáfora paterna capaz de operar uma normatização do gozo. Como consequência, sem a proteção do significante Nome-do-Pai, o sujeito fica exposto a uma relação mais direta e intrusiva com o gozo e com a linguagem.

Nos casos em que o Outro não se estabiliza, a solidão ganha outro estatuto: não deve ser tomada apenas como efeito da estrutura simbólica, mas como condição de exílio radical do laço social, que pode se manifestar tanto pelo retraimento quanto pela erotomania, mas também pelos fenômenos elementares – enquanto tentativas de adaptação. Como dizia Clérambault, o delírio e a alucinação são companhias para o psicótico[2]; é o Outro que fala e o faz falado. Podemos lembrar do início da doença de Schreber, quando ele inicia seu afastamento social, se isola, delira e alucina, como uma forma de tratamento frente à solidão, consequente ao impossível de significantizar, decorrente da foraclusão do Nome-do-Pai – era um modo singular de reordenar sua realidade.

Na clínica das psicoses, a solidão pode assumir aspectos radicais. Pela foraclusão do Nome-do-Pai e, em consequência, justamente porque o Outro nunca é inteiramente acessível, a solidão no amor e no gozo se manifesta, e ocorre uma disrupção no sentimento de vida do sujeito. O psicótico, em razão de sua dificuldade estrutural de se relacionar com o Outro, experimenta a solidão por excelência: está essencialmente só, como se observa na clínica da loucura. O melancólico se exila em seu excesso de culpa e autorreprovação; o paranoico, em sua certeza persecutória; e o esquizofrênico, na indiferença absoluta[3].

O problema é que essa solidão essencial não basta para tratar o insuportável foraclusivo que motivou tal retirada. No entanto, é justamente esse desconforto que abre a via para um pedido de socorro e, a partir de um encontro com o analista, essa solidão estrutural pode encontrar algum abrandamento.

Essa é a condição que nos orienta na direção do tratamento: o encontro do psicótico com um analista constitui-se como um recurso frente à solidão devastadora que impõe a certeza, o mutismo e o blá-blá-blá interior que o levam a se perder em si mesmo. É justamente esse ponto que precisa ser escutado e acolhido[4]. Aí reside o essencial do encontro: que a loucura possa se manifestar e ser escutada. Cabe ao analista possibilitar esses encontros e permitir ao sujeito encontrar um lugar no Outro que acolha sua certeza – sem a questionar – e esteja disposto a, sucessivamente, reencontrá-lo e suportar sua desordem. Por isso, a relação do psicótico com o Outro é sempre problemática e exige, para regular o gozo invasivo, uma suplência, uma invenção particular para lidar com esse Outro, que não se apresenta de entrada como consistente.


[1] Por Rosangela Ribeiro (EBP/AMP) e Bartyra Ribeiro de Castro (EBP/AMP).

[2] Citado por José María Álvarez em ‘Princípios de uma psicoterapia de la psicoses’, Xoroi Edicions, 2020, p.94.

[3] Idem, p.79.

[4] Ibidem, p. 16

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