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Entrevista com Cristiano Pimenta sobre o Eixo temático 2 – O Parceiro-Sintoma
Gabriel Caixeta: Qual a importância dessa formulação de Lacan sobre a sexuação na clínica de orientação lacaniana?
Cristiano Pimenta: Essa pergunta é muito abrangente e muito importante para o nosso trabalho. Penso que essa formulação – a tabela da sexuação – que Lacan nos apresenta no seu Seminário 20, ela é fundamental. Porque, antes de tudo, ela coloca em evidência o fato de que, no nível do gozo não há relação sexual. Já é uma especificidade dessa tabela da sexuação que nós podemos ver no Seminário 20, do lado do gozo masculino, o gozo é sempre o gozo fantasmático, que reduz o parceiro ao objeto a, que é o objeto fetiche da sua fantasia. Do lado feminino, da tabela da sexuação, do lado mulher, a exigência é a de que o parceiro da mulher encarne, o A barrado, o outro barrado. […] Essas diferenças entre os modos de gozo colocam em descompasso, em desarmonia, vamos dizer, o não encaixe, até mesmo uma fissura entre ambos os sexos. Coloca em evidência a inexistência da relação sexual. […] Então, dada essa separação estrutural dos modos de gozo, a pergunta que se coloca é como os parceiros podem se conectar? Como eles se relacionam se o que há de preestabelecido em cada um são os dois modos de gozo, por si só isso não faz a conexão entre ambos. Eis o mistério da sexuação.
Gabriel Caixeta: Você poderia falar um pouco sobre a diferença entre sexualidade e sexuação na psicanálise?
Cristiano Pimenta: Não creio que essa diferença entre sexualidade e sexuação tenha sido elevada por Lacan ao nível de uma distinção entre conceitos. Lacan se vale do termo da sexuação, ao que tudo indica, uma única vez quando ele apresentou a tabela da sexuação. Já o termo sexualidade é muito utilizado desde Freud. […] No contexto das elaborações do Seminário 20, temos o que nós podemos chamar de uma primazia do corpo sexuado. Como diz Miller em O parceiro-sintoma, que é um curso dele importante para o nosso tema, que é um curso em que ele estuda muito o Seminário 20, ele afirma que não há corpo humano que não seja sexuado. Então, não se trata apenas de um sujeito do inconsciente que é um puro eu dos pensamentos inconscientes, em uma relação com o grande outro da linguagem. Trata-se da primazia de um corpo que goza. E seu gozo, faz do outro, que é o seu parceiro, um meio de gozo. O outro enquanto meio de gozo não é o outro da linguagem, a cadeia significante do inconsciente. Mas sim também um outro corpo sexuado. […]
Gabriel Caixeta: Como o eixo temático em questão toca no mistério da sexuação, tema das nossas jornadas?
Cristiano Pimenta: Então, eu terminei o texto que eu escrevi como eixo temático dizendo que o gozo sintomático experimentado com o parceiro é, no final das contas, aquele gozo que não pode ser anulado, que não pode ser curado, que não pode ser eliminado no tratamento e eu terminei esse eixo temático citando uma importante formulação de Jacques-Alain Miller que ele diz: fazer uma análise é cernir, é liberar, é isolar a maneira que cada um se deparou com o enigma sexual. É esclarecer o modo que o inconsciente interpretou esse enigma e encontrar uma melhor maneira de fazer com ele. Eu acho importantíssima essa referência. Antes de mais nada, porque dizer que é preciso encontrar uma melhor maneira de fazer com ele supõe que seja preciso uma aceitação de que algo desse gozo não pode ser eliminado e não pode ser curado. Do lado do homem se trata de consentir com o seu gozo, as vezes, por exemplo, se permitir assumir uma homossexualidade ou, em outros casos, se permitir, na relação com uma mulher não abrir mão de seu gozo perversamente orientado. Se seguirmos o que nos ensina Jacques-Alain Miller no texto imperdível publicado na mais recente Opção Lacaniana número 84, chamado Foraclusão generalizada, isso implica, para o homem, diz Miller nesse texto, tomar uma mulher como causa de desejo, seguindo uma formulação do último ensino de Lacan.