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Sobre o parceiro-sintoma

Por Paulo Sérgio Silva
Fonte pixabay
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Freud, como sabemos, começou pelo sintoma. Não se tratava de medi-lo pelo ideal de uma saúde mental sempre problemático. O que o orientava era uma prática com esse sintoma histérico. Exatamente o que se passa com o sujeito quando ele está em pane ou impossibilitado de expressão. Freud viu aí os limites do poder da fala e com eles as dificuldades de captação de si mesmo e do objeto. Inaugura, assim, um modo de debater sobre a “doença” e a “cura”. Esta parece advir do próprio sintoma uma vez que ela precisa da renúncia ao objeto de eleição. A “doença” parece ligada à tentativa de evitar tal limitação. Esta que o próprio complexo de Édipo vai chamar de castração uma vez que o acesso à atividade sexual vai passar por uma renúncia ao desejo originário.

O sintoma neurótico é, assim, produzido pela recusa da coerção exigida para o acesso à vida sexual. Ao mesmo tempo em que causa inibição ou angústia, ele alimenta um gozo chamado pré-genital centrado no corpo, mais precisamente em seus orifícios, e que pode ser, pela fixação neles, um obstáculo à cura. Em “O mal-estar na Cultura”, Freud evidencia essa incapacidade do homem de ter uma sexualidade menos problemática, incerta, ambígua e conflituosa. Assim, o lugar do sintoma se desloca para ocupar a posição de dizer sobre as condições gerais de nossas possibilidades de acesso ao sexo.

Jacques-Alain Miller (1998), em “O Osso de uma Análise”, nos provoca a pensar sobre essa questão sintomática. Lacan, a princípio, acreditou que a articulação significante seria independente de qualquer referência ao corpo. Este primeiro Lacan pensou ser possível dispensar a referência ao corpo e enfatizar a letra escrita, um funcionamento de lógica de significante pura. Inicialmente, ele situou o corpo na ordem imaginária, o do estádio do espelho. No inconsciente, o corpo apenas como simbolizado. Neste sentido, obtemos aí uma satisfação puramente significante, um gozo sem o corpo, obtemos o reconhecimento. Assim, o sujeito deveria reconhecer o Outro para ser reconhecido por ele. É uma satisfação procurada no simbólico de maneira diferente daquela encontrada no corpo. Neste sentido, o sintoma seria definido como falta de reconhecimento, falta de satisfação significante. O reconhecimento como satisfação do sujeito como falta-a-ser advinda do Outro da fala.

O corpo é introduzido no ensino de Lacan por uma necessidade. A necessidade que a libido cobra da referência ao corpo. Em Freud, o que atende a esta questão é o conceito de pulsão, por dizer sobre as zonas do corpo e dos objetos do próprio corpo que se perdem. Objeto oral, anal… O corpo entra no ensino de Lacan relacionado ao objeto a. O corpo mortificado pelo significante e que deixa lugar para restos que escapam à mortificação. O objeto a vem completar o sujeito do corpo mortificado, que é o elemento decisivo da fantasia.

Em seguida, podemos pensar que, para que haja gozo, é preciso o corpo. São esses os dois efeitos do significante sobre o corpo: a mortificação e a produção do mais-de-gozar.

Mais enfático do que o significante tenha um efeito de mortificação sobre o corpo é que ele tenha uma incidência de gozo sobre o corpo. Esse é propriamente o sintoma para Lacan. Que o significante se refere ao corpo e isto se dá na modalidade do sintoma. Lacan sustentava a definição de sujeito como falta-a-ser e fazendo entrar o corpo vivo na psicanálise ele o refez para falasser. Isto é, o sujeito mais a substância gozante. Também o conceito de grande Outro entra em questão e temos a perspectiva do parceiro-sintoma. É realmente uma mudança de orientação. O Outro, com o parceiro-sintoma, não é mais um corpo esvaziado de seu gozo, é um corpo vivo. Que o Outro do código continue funcionando, tudo bem, mas ao nível sexual não há relação significante entre esse Um e o Outro. A tese que sustenta essa perspectiva é a de que o parceiro-sintoma se torna o osso de uma cura. Assim é que o parceiro supõe que o Outro se torne o sintoma do falasser, quer dizer, um meio de seu gozo.


Referências Bibliográficas:

FREUD, S. Mal-estar na civilização. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996.

MILLER, J-A. O osso de uma análise + O inconsciente e o corpo falante. Rio de Janeiro: 2015.

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