15 de setembro de 2022
Sexo na psicose?
Por Geanine Lucas Vieira
Ao proferir o aforisma Não existe relação sexual, para dizer do impossível de se estabelecer a complementaridade dos dois sexos, Lacan, no Seminário 20, vai dizer que, para o homem, a mulher é um sintoma, e para a mulher o homem é uma devastação[1], o encontro se dá por uma contingência. Essa fórmula também se aplica na psicose? Ao se pensar a psicose como um déficit em relação à neurose – a falta do significante Nome-do-Pai, a não inscrição na metáfora paterna, a não extração do objeto a –, como localizar o sujeito psicótico na repartição dos sexos na tabela da sexuação?
Ao ser questionado sobre a sexualidade em uma psicose não desencadeada, Miller responde:
“A sexualidade não é típica. Não há vida sexual típica […] Nos homens há, às vezes, um empuxo à mulher, pelo ato sexual. Às vezes, há, ao contrário, uma sexualidade que permite se reapropriar do corpo. Às vezes, o corpo se fragmenta. Não há nada específico. Busquem simplesmente uma desordem no ponto de junção mais íntimo do ato sexual, pois geralmente a encontramos.” (p.426)[2].
No campo das artes, nos deparamos com algumas experiências que incitam questionamentos sobre a temática do sexo na psicose. Nohemi Brown (20110),[3] destaca, em seu texto que, quando Salvador Dalí decide sair da Espanha e ir para Paris, tinha dois desejos: ter a glória como pintor e ter seu primeiro encontro sexual com uma mulher. Frente à não realização deste desejo sexual, Dalí fica muito angustiado, manifestando delírios visuais, o que fez com que retornasse à Espanha e encontrasse, na dedicação à pintura, uma forma de aplacar a sua angústia. Isso funcionou, por algum tempo, pois, ao ter que se encontrar socialmente com outras pessoas, passou a ter crises de risos. Encontrando uma outra solução para diminuir essas crises, começou a se vestir com roupas e enfeites femininos, uma espécie de empuxo-à-mulher. Mas, ao reconhecer em Gala, a mulher de suas alucinações, pensa em atirá-la de um precipício e as crises de risos voltam, pois sentia em seu corpo uma excitação que esses pensamentos lhe traziam. Ao mesmo tempo em que pensava em eliminar Gala, era também irresistível estar em sua presença, resultando o encontro sexual entre eles.
Nesses momentos íntimos, Gala se despe do semblante fálico de ser uma ninfomaníaca, e demonstra a Dali seus sentimentos e pensamentos de forma frágil e solitária. Dalí reconhece que ela também sofria momentos de lucidez e loucura, como ele, e isso faz cessar sua crise de risos, liberando-o para voltar a pintar e ter seus momentos de glória. O encontro com Gala funciona como uma espécie de compensação para ele que “permitiu-lhe inventar, junto com sua arte, uma solução”[4].
Seria Gala, a parceira-sinthoma de Dalí? Assim, como para Joyce – Nora lhe caia como uma luva –, e a esposa de Schreber – que era aquela a quem fora dedicado o projeto inicial de seu livro e ‘ter conservado o antigo amor’, após os delírios em ser a mulher de Deus –, para Dalí, Gala aparece como sua salvadora de um gozo que o invadia? Seriam essas as formas de fazer existir a relação sexual?