#05
Psicanálise e Política
Rosangela Ribeiro (EBP/AMP)
Ó tempos! Ó costumes!
O mundo está virado!
Machado de Assis
“Eu não digo mesmo ‘a política é o inconsciente’, mas simplesmente ‘o inconsciente é a política!’” (LACAN, s/p, 1967). Sob essa perspectiva, Lacan abre um disperso ponto em seu ensino, a saber, o analista e a psicanálise estão inseridos com o laço social, ou seja, com o que faz laço com o Outro e com os outros, comprometidos com a cidade, com a subjetividade e com o Zeintgeist. Como propõe Éric Laurent, “há que se passar do analista fechado em sua reserva, crítico, a um analista que participa; um analista sensível às formas de segregação; um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora” (1999, p. 8).
Freud, em 1932, escreve a Einstein questionando “Por que a guerra?”. Lacan não passou incólume ao maio de 1968, a saber, cada um em sua época, elucidou que novos capítulos são, em cada época, incorporados ao inconsciente, uma vez que ele “se produz na relação do sujeito com o Outro, [e] é o efeito das relações de linguagem nas quais somos capturados. Nesse sentido, a psicanálise é um laço social e um saber. E é justamente porque a psicanálise é um laço social, ou seja, um tratamento do gozo, que ela está necessariamente misturada na questão do político, pois o discurso é o laço social que implica um freio sobre o gozo” (BROUSSE, 2003, p. 28).
Sabe-se que a experiência clínica está centrada no sujeito, por isso Lacan nos mostra que a dialética do desejo não é individual, e que o individual não está separado do coletivo. Marie-Hélène Brousse, por sua vez, explica que a separação entre o individual e o coletivo, em psicanálise, deixa de existir como oposição. Uma vez que, não há indivíduo em uma análise, não é a política do indivíduo, é a política do sujeito que se interessa em uma análise. Desde Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise (1953) e A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957), Lacan afirma que apenas um significante sozinho não tem nenhum sentido. Isso quer dizer que o significante não pode significar a si mesmo, porque a sua significação é correlata ao deslizamento dos significantes na cadeia ou rede significante. Mas o que se coloca em jogo aqui? Ora, o significante apenas passa ao significado por haver um sujeito que lhe confere significação. Um sujeito que, menos ou mais, possui elos com o Outro e com outros. Assim, a política é uma política do sujeito. Isso é a política do Um, digamos, inspirada no que Lacan ensina sobre o significante Um. Cumpre notar o que Lacan diz:
Trata-se do que, em outros termos, somos obrigados a levar em consideração, quando, na política, estamos diante do que temos como o que convém, isto é, diante de um tipo de informação na qual o sentido não possui outro alcance senão o imperativo, a saber, o significante Um? É para nos comandar ou, dito de outro modo, para que não sigamos senão a ponta do nosso nariz, que qualquer informação, em nossa época, seja esvaziada como tal (LACAN, 1973-1974, p. 97. Grifos nossos).
Assim, ao afirmar que “o inconsciente é a política”, Lacan parece coadunar vários elementos, pois não podemos, nesse aforisma, negligenciar o corpo, visto que há uma interconexão entre ele e o contexto social, evidenciando como ele é moldado e influenciado por forças coletivas desde o seu surgimento. Ele não é propriedade exclusiva do sujeito, pois está imerso em um ambiente social e cultural que o influencia profundamente, embora seja, o sujeito, seu porta-voz. Portanto, o corpo não é apenas uma manifestação individual, mas também reflete e incorpora aspectos do ambiente social em que está inserido. Um corpo político? Sim, pois se reconhece que o corpo é atravessado por emoções e paixões coletivas, como angústia, ódio, ignorância e entusiasmo, o que aponta sua natureza política. Essas emoções não são experiências puramente individuais, mas são influenciadas e moldadas por dinâmicas sociais mais amplas que incidem sobre o desejo. Portanto, qualquer análise do corpo e das experiências corporais deve levar em consideração o contexto social e político no qual essas emoções surgem e são vivenciadas. Munidos desse saber e da escuta do desejo do sujeito, não nos conduziremos à deriva da ponta do nosso nariz.