#05
Psicanálise e Arte
Psicanálise e Arte
Alberto Murta (AME EBP/AMP).
Logo no início do capítulo XVI do livro 19 intitulado: …Ou pior, Lacan nos adverte de um certo logro, escamoteio, presente na produção de uma obra de arte. A criação artística não dá conta do número Um comandando o brotamento de uma obra. Por quê? Para ele, o produto de um artista esquece a emergência desse Um? Tentando acompanhar a orientação proposta por Lacan, será que a manifestação artística é regida pelos imperativos atualizados pelo discurso do mestre? Ou mesmo, a produção de um artista faz valer uma certa mudança de posição em relação ao S1?
Nesse contexto sou enviado ao eixo temático das V Jornadas: Arte e Psicanálise. E, por conseguinte, uma grande indagação se assanha na conexão Corpo e Memória quando caminhamos no campo da produção do artista e que foi operacionalizada num certo momento do ensino de Lacan. Acrescento que Lacan, sempre esteve preocupado com as manifestações artísticas, chegando mesmo a se interrogar se não tem uma incidência do Um na criação artística. Será que a emergência de uma produção artística provém do Um?
Na nossa contemporaneidade não é fácil para o artista se desvencilhar do comando. Ao mando de quem, brota uma manifestação artística? Não se desvencilhando da ordenação do S1, é possível promover o surgimento desses S1? Lacan, no capítulo inaugural intitulado: Do uso lógico do sinthoma ou Freud com Joyce, do livro 23, alude a uma passagem que evidencia o lado fálico de Joyce dizendo: “foi sua arte que supriu sua firmeza fálica. E é sempre assim. O falo é a conjunção do que chamei de esse parasita, ou seja, o pedacinho de pau em questão, com a função da fala. É nisso que sua arte é o verdadeiro fiador de seu falo.” Sob essas condições, como o artista produz objeto a?
Insisto ainda na mesma questão, qual é a incidência do Um quando o artista cria a sua obra? Estamos convictos que não podemos nos esconder face a esta incidência do Um no âmbito da produção de uma determinada obra de arte. Faz necessário se servir, mais uma vez, do momento do ensino proposto por Lacan em que ele estabelece uma distinção entre o saber psicológico e o saber psicanalítico. Parece-me que a diferença entre a Psicologia e a Psicanálise nos interessa, em muito. Por quê? Porque o saber psicológico não leva em conta o Real em jogo. Ela, a Psicologia, procura saturá-lo, tamponar quaisquer que sejam às manifestações deste Real. Na ocorrência, não há extração do objeto pequeno a do campo do Outro na Psicologia. Não há a cisão de a e A nela.
Eis o desafio ético quando o ensino de Lacan avança: desvalorizar o buraco deixado pelo simbólico e, elevar este registro simbólico ao semblante. Ora, se há uma inadequação do Simbólico e do Real, neste momento do ensino de Lacan, como ir além dos semblantes? O corpo, tema das nossas Jornadas, será que o corpo não entra em jogo? Deparei-me com o testemunho de Carolina Koretsky. Ele foi impelido a uma conversa em um dos encontros da comissão cientifica por um membro dela. Olhamos o que emerge neste testemunho e interpenetra com o tema das nossas Jornadas: CORPO, M-E-M-Ó-R-I-A. No primeiro momento vou citá-la:
É o resto de uma “obstinação” que me trouxe até aqui e, apesar do impossível que reside nesta transmissão, pois nada, nenhuma palavra, nenhuma imagem, será capaz de restituir o momento preciso e exato em que as palavras fundam um corpo.[1]
Nesse trecho, brota o significante corpo e, no início da citação o significante resto. É o corpo um resto de significante que deve ser lido como impossível de abordá-lo? Por que Lacan nos conduz a trabalhar os restos sintomáticos freudiano para pensarmos o acontecimento de corpo como momento conclusivo de uma experiência psicanalítica? Caímos assim, mais uma vez, na “A análise finita e a infinita” de Freud. Por sua vez, ele sempre falou de alguns restos, como incuráveis, que insistem em permanecer num curso de uma análise. Nas palavras dele:
…de modo que na configuração definitiva podem continuar existindo restos das antigas fixações da libido. Em áreas diferentes podemos detectar a mesma coisa. Não há nenhuma das acepções equivocadas ou das superstições humanas que não tenha deixado restos, que não continue entre nós hoje.[2]
Os restos sintomáticos coroam a caminhada freudiana como opacos e fechados que não posso mais decifrá-los e, por conseguinte, eles resistem à interpretação. Como fazê-los ex-sistir no momento conclusivo da experiência de análise? Tentando parcialmente responder: todos nós sabemos que o sinthoma não se ultrapassa, ele, o sinthoma, só se repete de maneira traumática. Queremos compartilhar e, por conseguinte, ampliar uma conversa com as possíveis apresentações dos trabalhos que serão endereçados a comissão científica.