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A formação do analista: perspectivas

Com Carla Serles
Esta resenha foi produzida a partir dos pontos em que o trabalho de Carla Serles tocou seus interlocutores.

Na abertura deste encontro, última atividade preparatória para a 1ª Jornada da SLOF “Como se forma um analista”, Ordália Alves Junqueira, Coordenadora Geral da SLOF, entusiasticamente, informou que a preparação das Comissões nos bastidores é intensa, “trabalham exaustivamente”. Trouxe-nos um recado da Coordenadora da Jornada, Elisa Alvarenga, “a programação ficou extensa e densa, por um único motivo, a Jornada gerou muita transferência de trabalho”. Em seguida, Carla Serles, iniciou sua apresentação.

Com o tema “A formação do analista: perspectivas”, Carla Serles esclareceu o sentido que elegeu para a palavra perspectivas: “aquilo que os olhos alcançam desde um certo lugar, panorama”. Sua escolha foi orientada por três motivos: primeiro, porque o texto de Miller inclui a demarcação de um ponto de fuga, necessário ao trabalho de formação. Segundo, pela conclusão topológica proposta neste texto. Terceiro e mais relevante, por ser do lugar do analisante, que as transmissões estão orientadas na Escola de Lacan. O texto de Jacques-Alain Miller “Para introduzir o efeito de formação” foi norteador para suas elaborações. A questão “Como se forma o analista no Século XXI?”, perpassou suas elaborações e, de saída, antecipou uma primeira constatação: o primado da experiência sobre a teoria. Experiência do analisante, àquele que trata sua “epidemia”, efeito de onde pode advir um analista. Já a teoria, segundo Miller,  “exige uma parada, uma contemplação, um repouso sobre o saber adquirido…”.

Por meio de uma figura que desenhou, Carla Serles demonstrou a topologia, descrita no texto de Miller, o lugar êxtimo – da análise pessoal, o passe, em/na relação com os outros elementos que concernem à formação do analista, o saber analítico e a supervisão, bem como, com os outros saberes da cultura, dos quais o analista não pode prescindir, mas precisa deles saber se utilizar. É o que Carla, enfatizou como um saber-fazer, pois a “demarcação de um ponto de fuga”, indica uma formação que não se sustenta nos saberes epistêmicos. O texto de Miller aponta para uma mutação psíquica na passagem de analisante à analista e o saber da psicanálise, não é apenas o saber não sabido, mas também a douta ignorância. A formação de um analista implica uma trans-formação, “Aqui, Miller assinala um saber que provoca o aparecimento de certas condições subjetivas, uma transformação do ser do sujeito”. Experiência, que sempre porta uma dimensão traumática: “há um real em jogo na formação do analista e os analistas estão destinados a serem descartados. Todo o percurso que leva o sujeito a ter que fazer algo que não é da ordem do sentido, mas que, o sujeito, precisa de alguma forma nomear, o sinthoma”. Nesta mutação psíquica – traumática, há um “declínio do ser” e o que emerge aí, é o Um, uma posição existencial em que se rompe com a posição ontológica. Carla Serles pontuou que “cabe a cada um a decisão de haver-se ou não com o troumatisme de sua condição de ser falante, na tentativa de saber fazer com seu gozo singular a partir de uma experiência inédita”.

Ressonâncias

“A experiência é a experiência do analisante” (Bartyra).

“Tem algo do efeito, da surpresa e a causa como que determina, algo hipotético”  (Ordália).

“A formação do analista implica uma trans-formação, tem algo aí de uma subjetividade” (Ordália).

“Você destacou a dimensão traumática da formação de um analista” (Ordália),

“Eu gostei do seu desenho, na zona êxtima que você localiza o passe, você conseguiu fazer um halo branco que vai irradiando para o restante da área externa…” (Rômulo).

“Acho que Carla foi muto feliz nessa figuração do texto… este texto do Miller, destaca dois pontos importantes, entre outros, um é a mutação psiquica… na passagem de analisanbte a analista. O outro é o saber da psicanálise… não apenas como o não sabido, mas como essa douta ignorância” (Elisa Alvarenga).

“Se o analista se distrai e acha que a experiência analítica, dele, por si só, sem o respaldo cultural, você não acha que pode correr o risco…” (Ary).

“O tema do seu trabalho, implica uma conversa…Se há um declínio do ser, em contrapartida, o que emerge aí? No campo dessa formação? o UM…você sai do ser e passa a se configurar à luz do Um… O Um é,.. nessa hipótese não tem predicado. Se o Um é, há Um, existe Um, O Um aí, por ser uma posição existencial, ele rompe com a posição ontológica, ele rompe com o ser” (Alberto Murta).

“ …Em que momento se pode observar que essa emergência desse UM pode vir a traduzir a experiência traumática?”  (Alberto Murta).

Resenha produzida por Adriana Gonring  em 03/10/2020

ATIVIDADE PREPARATÓRIA PARA A PRIMEIRA JORNADA DA SLOF

Como se forma um analista

Apresentação: de Ruskaya Rodrigues Maia (EBP/AMP)

Rômulo faz a abertura da atividade agradecendo à Ruskaya por aceitar convite para nos apresentar o tema da Primeira Jornada da SLOf, esclarecendo que Ruskaya traria o argumento da Jornada e que este argumento está sendo trabalhado em cada reunião dessas preparatórias e nos trabalhos desenvolvidos nos boletins.

A apresentadora agradece o convite e se coloca ao trabalho começando a compartilhar uma imagem de uma cena da peça Le Bourgeois Gentilhome, O Burguês Fidalgo, de Molière. Isto para falar do burguês que ambiciona se tornar nobre. Nesta imagem aparece o personagem principal, o burguês, cheio de pompas e rodeados de professores. A cena se desenvolve com o professor de filosofia tentando ensinar e o burguês sem interesse de aprender. O gênero da peça é o da farsa, teatro burlesco, enfatizando o paradoxo que há num burguês aristocrata.

De uma forma delicada e rigorosa, Ruskaya faz uma exposição de forma clara e empolgante sobre a formação do psicanalista lacaniano como uma questão sempre atual e viva, pois sempre produz ressonâncias quando colocada. Traz dois textos de Lacan, o primeiro A Situação da psicanálise e a formação do psicanalista em 1956[1], no qual Lacan denuncia a degradação da prática analítica e coloca em questão a própria existência do analista. Ruskaya comenta que Lacan, como Molière, faz desfilar diante de nós os personagens de um teatro burlesco. A Suficiência, os Sapatinhos Apertados, os Bem Necessários, e a Beatitude. A Suficiência é o único gradus da hierarquia psicanalítica, basta-se a si mesmo. Os Sapatinhos Apertados apertam, mas estão acomodados a isso. Essas são as duas classes fundamentais em que se divide a Internacional, os Sapatinho Apertados não fazem perguntas (analisandos), a Suficiência não fala, basta a si mesmo. Cita Lacan: “Eis, portanto, a organização que obriga a Fala a caminhar entre dois muros de silêncio, para ali realizar as núpcias da confusão com o arbítrio”[2]. Os Bem-Necessários falam, mas falam para nada dizer.

O segundo texto abordado, onze anos após o primeiro, tratase da sua excomunhão e a fundação da sua Escola, Lacan afirma na Proposição de 1967 sobre o psicanalista da Escola[3], que esse escrito deve ser entendido tendo como base seu texto de 56, revelando que se trata da psicanálise e do psicanalista, de uma garantia e efetivação no psicanalista de estruturas asseguradas na psicanálise.

Cita quando Lacan esvazia a cena burlesca anunciando que “o analista só se autoriza de si mesmo”[4], mesmo que a Escola garanta sua formação, tornando-se assim, responsável pelo progresso da Escola e psicanalista da própria experiência. O analista resulta de sua própria análise.

Ruskaya aborda o dispositivo do passe, como meio que a Escola utiliza para dissipar a “sombra espessa” da passagem do analisante a analista. Trata-se da elaboração de um saber sobre o que funciona como real para a psicanálise, dizendo que com a necessidade da emergência do real no passe, Lacan, que começou pela sátira, termina por produzir uma inversão completa da Beatitude, que é imaginária, ou seja, a suficiência do analista experiente se torna insuficiência a partir do passe.

Aborda também o modo que Lacan guarda no conceito do desejo do analista a sutileza entre o saber e o não-saber. O analista lacaniano na posição de objeto causa, renuncia à mestria, consentido ao não saber.

De modo firme Ruskaya também afirma que não há formação sem teoria e que Lacan jamais abriu mão de grande exigência de saber para os analistas.

Cita Miller evidenciando que o psicanalista constrói seu próprio percurso em sua formação, que é diferente da formação acadêmica. Destaca que  a análise é uma prática formalizável e o analista deve ser capaz de prestar contas dela racionalmente.

Ruskaya lembra que no último ensino de Lacan a questão da formação do analísta se torna mais aguçada, pois o saber da experiência analítica só se inscreve sobre as formas da verdade e na contingência. É importante a busca do saber mas não é nesta dimensão que o analista opera, o que conta no analista é um estado de vacuidade, de disponibilidade ao inesperado.

Ela nos trás mais uma nuance para a formação do analista, uma tensão entre o que se ensina e o que não se ensina do saber. Um saber transmitido não quando traz o conhecimento, mas quando faz surgir a opacidade do real de cada um.

Alega, citando Elisa Alvarenga, que o que enlaça o analista como produto da análise com a função de analista “é o analista como sinthoma, resíduo da análise: um sem remédio, que funciona, por um lado, como causa de elaboração, e por outro, como certeza, retirada da análise, de querer estar num certo lugar, conduzindo outros em uma análise”[5].

Apresenta uma segunda imagem, uma foto de Luiz Buñuel, um bando de mendigos, que Lacan comparou com o bando de seguidores de Freud, que Ruskaya interpretava como aquilo que deve ser o resultado da formação dos analistas: “desadaptados, dejetos, restos, rebotalhos”… Estão juntos na foto, porém não fazem um conjunto.

A apresentação gerou uma instigante discussão sobre a formação do analista, abriu questões e nos fez pensar: se a imersão no dispositivo do passe teria repercussão nos outros dois do tripé (na supervisão e formação teórica); no real em jogo na prática e na supervisão; na proposta de Miller para um dispositivo de verificação à supervisão; no dispositivo do cartel; enfim no como se dá a formação do analista.

Finalizaremos esta resenha com Bartira falando que o final de análise não se dá com um ponto final, que o percurso analítico não é um “fechável”.

Resenha de Waléria Paixão Borges Vieira

[1] LACAN, Jacques. A situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956. In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.
[2] LACAN. Op cit. p. 485.
[3] LACAN, Jacques. Proposição de 9 de outubro de 1967 sobre o psicanalista da Escola. In: Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003.
[4] LACAN. Op. cit. p. 248.
[5] ALVARENGA, E. O passe na prática. Disponível em: https://www.wapol.org/ornicar/articles/208alv.htm
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