Inconsciente, sintoma e formação do analista
Elisa Alvarenga
Coordenadora da Comissão Científica das 1as JORNADAS SLOf-EBP-AMP Lacan sempre se preocupou com a formação dos analistas e o ensino da psicanálise. Em
1957 escreveu “A psicanálise e seu ensino” [1], onde já se perguntava: o que a psicanálise nos ensina, como ensiná-lo?
Vinte anos depois, em “Transferência para Saint Denis” [2], Lacan pergunta: como ensinar o que não se ensina? Não se ensina universalmente, mas um por um, de maneira contingente, esclarece Miller em “Todo mundo é louco” [3].
Ensinar um por um nos faz pensar no que se transmite em uma supervisão, caso a caso. Se nos anos 50 Lacan falava da supervisão como subjetividade secundária [4], para indicar que o supervisor não tem acesso à realidade do paciente, mas apenas às suas falas transmitidas pelo praticante, ele mostra como o inconsciente é estruturado como linguagem.
Já em uma referência à supervisão em 1975, no Seminário 23 [5], Lacan fala do inconsciente como equívoco, e na intervenção do supervisor que pode ressoar sobre o sinthoma do praticante.
Como passamos do inconsciente estruturado como linguagem, na cadeia significante, ao inconsciente do último ensino de Lacan, que desaparece tão logo se preste atenção nele (o esp de um laps) [6]?
Se o analista faz parte do conceito de inconsciente [7] e sua presença está destinada a fazê- lo surgir [8], de maneira contingente, perturbando a homeostase da fantasia, podemos rastrear as mudanças através das quais o analista e o inconsciente se presentificam em uma análise.
Na Proposição de 9 de outubro, Lacan apresenta o matema do sujeito suposto saber, onde a presença do analista põe a trabalho a cadeia significante através do discurso do sujeito. Mas, latente a essa cadeia, desenvolvida na fala do analisante, há o referente que é o objeto a [9], depositado no analista pelo sujeito. Mais do que a suposição de saber, o analista encarna esse objeto libidinal que o sujeito coloca nele para fazer existir o Outro da transferência. O final da análise implica uma certa extração desse objeto do Outro e a recuperação desse objeto como causa do desejo, que o analista produto de uma análise encarnará para seus analisantes.
No entanto, o analista produto não é apenas causa de desejo. Ele é também identificado ao seu sintoma, ou a seus restos sintomáticos, restos de gozo que podem perturba-lo em seu ato. Por isso a supervisão continua valendo, mesmo depois de terminada a análise. Assim entendemos a afirmação de Lacan de que a interpretação pelo equívoco pode liberar algo do sinthoma [10]
1 Lacan, J. A psicanálise e seu ensino, Escritos. RJ, Zahar, 1998, p. 438-9.
2 Lacan, J. Transferência para Saint Denis (22.10.1978), Correio 65. SP, EBP, 2010, p. 31.
3 Miller, J.-A. Todo mundo es loco. Bs. As., Paidós, 2015, p. 337-9.
4 Lacan, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, Escritos, op. cit., p. 254.
5 Lacan, J. O sinthoma. RJ, Zahar, 2007, p. 18.
6 Lacan, J. Introdução à edição inglesa do Seminário 11, Outros Escritos. RJ, Zahar, 2003, p. 567.
7 Lacan, J. Posição do inconsciente, Escritos, op. cit., p. 848.
8 Lacan, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. RJ, Zahar, 1985, p. 121.
9 Lacan, J. Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola, Outros Escritos, op. cit., p. 253-4. 10 Lacan, J. O sinthoma, op. cit., p. 18.
Formação do analista, uma imersão, um caminho
Ordália Alves Junqueira
Coordenadora Geral das 1as JORNADAS SLOf-EBP-AMP
No Ato de fundação (da EFP), Lacan (1964) faz a pergunta central da Escola: O que é um analista? E se interroga sobre Como se formam os analistas. [1] Miller (2001) sugere que nos perguntemos sobre o fato: quando se trata de psicanálise, existe um certo desconforto quanto ao uso da palavra “formação” sendo que, na formação psicanalítica, trata-se de conseguir um operador que permita dirigir um tratamento analítico, enlaçando aqui uma questão: como preparar operadores adequados para esta operação? [2]
Desde Freud, já se sabe que não há psicanalista nato; não se é analista por natureza, por “dom”. O psicanalista é o resultado de sua análise, sendo que ninguém havia expressado isso nesses termos antes de Lacan. A questão que se coloca é: haverá outro conhecimento, distinto do conhecimento próprio para avaliar a formação? E se existe, qual seria? Como podemos estruturar isso? Como podemos avaliar isso? Se não há uma didática da formação – a mesma é determinada por uma política – ao mesmo tempo, segundo Miller (2001), Lacan mantém requisitos de conhecimento muito elevados para o analista.
Lacan enfatiza em todos os seus escritos a necessidade de uma doutrina de formação que se delineia em termos do que se deve saber, sendo que, em cada texto, dá uma inflexão precisa a este programa de formação. Entretanto, Miller (2001) ressalta que Lacan nunca estabelece uma formação por meio de cursos, pois ele pensava em uma formação por imersão, ou seja, uma formação em que o sujeito está imerso em um ambiente de saber que o convidaria a nadar, a inventar seu próprio caminho em um ambiente epistêmico.[3]
Na última parte do texto Variantes do tratamento padrão [4], quando diz que o que o psicanalista deve saber é ignorar o que ele sabe, Lacan (1955) reserva para o analista o lugar da “douta ignorância”, que é uma forma de colocar o conhecimento em posição de suposição. No mesmo texto, com um rigor ético, Lacan (1955) ilumina, também, o outro lado da formação afirmando que: “toda análise didática tem a obrigação de analisar os motivos que fizeram o candidato escolher a carreira de analista”, dando um destaque à paixão, que “deve dar sentido a toda formação analítica. ” [5]
Cabe ressaltar que o caminho para uma formação analítica é longo, cheio de impasses, de surpresas, de mudanças de posição e que, durante o percurso, além da análise pessoal, vários momentos podem funcionar como “efeitos de formação”, no caso a caso, na singularidade: no encontro com um texto (de Freud ou Lacan); em uma experiência de cartel, de supervisão ou em uma escuta de depoimento de passe; talvez em uma participação em mesas de trabalho em Jornadas/Encontros ou de transmissão em seminários, como também na experiência em ocupar um cargo “burocrático” em alguma instância da Escola.
Resumidamente, pode-se dizer que o lócus da formação analítica é a ESCOLA que dispõe de seus vários dispositivos, a saber: os Cartéis; o Ensino, a Biblioteca, suas publicações, o Instituto; e do procedimento original do Passe, criado por Lacan, instância de garantia de formação para recolher o valor didático de uma análise.
No sentido mais clássico, sabe-se que a formação analítica inclui a tríade: análise pessoal, supervisão e ensino sendo que, no Ato de fundação, em 1964, Lacan precisa que a formação do analista também está articulada ao trabalho de cartel: “Esse objetivo de trabalho é indissociável de uma formação…”[6]
Assim, seguindo esse trilho lacaniano, os textos a serem apresentados nas mesas de trabalho das 1as JORNADAS SLOf-EBP-AMP – que acontecerão em 9/10 de outubro/2020, cujo tema será: Como se forma um analista- deverão advir dos cartéis.
As 1as JORNADAS da Seção Leste-Oeste (em formação) contarão com a presença do ilustre convidado Romildo do Rêgo Barros (AME-EBP/AMP), que proferirá duas Conferências: uma de abertura e outra de encerramento.
A Coordenação e a Comissão Científica das Jornadas, juntamente com a Diretoria da SLOf, aguardam que se sintam imersos nesse ambiente de saber e de formação analítica. Convidamos e convocamos a todos a nadarem nestas águas e a inventarem seu próprio caminho de formação, na paixão que o cartel os tem conduzido, ao saber e à produção. Manoel de Barros, em algum lugar de sua vasta obra “letral”, poetiza: deveríamos dar espaço ao tipo de saber que tem força de fonte…