15 de setembro de 2022
Editorial Boletim Arranjos #05
Por Rosangela Ribeiro
[…] dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. (Assis, Machado. Dom Casmurro, 1984, p. 842)
Convidados por Rômulo Ferreira à pesquisa do terceiro Eixo Temático das IIIs Jornadas da Seção Leste Oeste, cuja reflexão é Sexo na psicose, somos conduzidos às questões: É possível localizar o psicótico no quadro da sexuação de Lacan? Como o sexo advém nas psicoses?
Essas perguntas lembram-nos Nora Bernacle, esposa de James Joyce, que recebia as cartas de seu amado, cujo teor não permeava o corpo a corpo, mas eram cartas de um erotismo escatológico e masturbatório. As cartas desencadeavam o pathos do corpo, mas quando chegava à sua casa, tudo se esvaia. Conforme elucida Jacques Lacan (1988), “para o psicótico, uma relação amorosa é possível abolindo-o como sujeito, ela [a diferença[1]] admite uma heterogeneidade radical do Outro. Mas esse amor é também um amor morto.” (p. 287). Sabe-se, assim, que o brilho fálico não comparece, deixando o sujeito na escuridão, sem defesa frente ao gozo infinito do Outro.
Nessa proposição, vê-se que, no amor morto, ocorre a ausência de um brilho fálico, e essa extinção do brilho fálico da imagem põe em manifesto o que o amor vela, comparecendo o sujeito como objeto/dejeto. Nesse sentido, o sexual vem como traumático, sempre em excesso e sem o limite fálico, pois é ele que faz a pontuação, que fecha a frase. O que dá esse sentido de amor morto, seria, então, a morte do sujeito, na medida em que ele está sempre às voltas com um Outro real. Isso se dá, pois, o sujeito passa a ser o que responde ao desejo do Outro não simbolizado, realizando o objeto do Outro, sendo objeto de gozo, real, do Outro, não só objeto imaginário do delírio, mas objeto real do Outro. Entendemos, assim, que fazer amor não se refere ao ato sexual, uma vez que nem todos o praticam, o que não quer dizer que não haja vários que o fazem. O amor sem o ato sexual, é uma das formas que Lacan diz sobre a estabilização de Schreber. Recorde-se que Schreber se uniu à sua esposa, uma philia matrimonial, uma relação fora do eixo com o Outro, e essa relação se fez possível ao preço de uma renúncia ao sexual.
Nota-se, assim, que Lacan, na teoria do sinthome, apresenta em O seminário, livro 23, um novo modo de pensar a clínica psicanalítica, o que não quer dizer, renunciar à primeira. No entanto, vê-se aí um avanço, pois Lacan recusa a fixação de diagnósticos padronizados. Ele contata-se a uma mudança de perspectiva sobre o laço social.
O Nome-do-Pai se torna, dessa forma, apenas uma forma, entre outras, de tentar obturar a falha estrutural do Outro. Sob essa perspectiva, a direção do tratamento ganha uma nova roupagem a partir do Um do gozo, e não mais a partir do Outro simbólico. Nessa nova roupagem, veremos no texto de Mário Neto, “Bates Motel – um sexo sem a regulamentação fálica”, invenções singulares para além dos limites fálicos.
Veremos que o empuxo-à-mulher, em alguns casos, pode funcionar como versão do Pai, Pai-versão ou sinthome, isto é, soluções estabilizadoras de um gozo desesperador. Sob esse aspecto, Antônio Teixeira, em seu texto “O que significa fazer existir A Mulher que não existe na psicose(?)”, elucida que “a mulher, na experiência psicótica, como resposta à irrupção de Um-pai sem razão, [realiza] em si mesma essa estranhexistência que demanda, talvez, um neologismo para escrevê-la, radicalmente distinta da existência regrada no interior do semblante de um discurso com a qual podemos nos familiarizar.”
Sob sua pena, Fábio Paes Barreto traz em “As psicoses e seus sexos”, um ponto importante sobre a feminização na psicose, demonstrando uma clínica da estabilização psicótica, uma clínica de enodamentos, desenodamentos e de manipulação dos nós.
Em “A ética hors-sexe” e a partir de O Seminário, livro 20, Juliana Melo apresenta a ideia que Lacan traz sobre o conto “O Horla”, de Guy Maupassant, escrito em 1887. Na ideia proposta, Lacan toma Horla em sua homofonia com hors em francês, para cunhar o neologismo acerca da ética hors-sexe (fora-sexo), a saber, algo que permanece fora, mas também perto. Para exemplificar o hors-sexe, coteja-se ainda a arte de Moacir Arte Bruta.
Juliana Bressanelli aponta-nos, em “O sexo e psicose: amor e gozo”, a falha quando não há regulação pela norma fálica, ou seja, na psicose quando o sujeito é convocado a responder a partir de seu lugar como sexuado, frequentemente um embaraço se manifesta, que por vezes dá lugar ao delírio. A autora levanta questões como a diferença sexual, a posição do sujeito psicótico na partilha entre os sexos e, por último, quais seriam os ordenamentos do psicótico frente ao amor e ao gozo.
A partir de exemplos como Salvador Dali e Gala, James Joyce e Nora, Geanine Lucas debruça-se sobre a colocação de J-A Miller que aponta que “a sexualidade não é típica”.
Em Per-Versos, Simone Vieira nos presenteia com o poema de SUNAMITAGFF. Sunamita é usuária do Caps Cidade, município de Cariacica, Espírito Santo.
Deleitamo-nos, em Pitadas, com uma charge da Laerte e com um fragmento do filme Nise: o coração da loucura.
Diante de tão profícuas reflexões, resta-nos apenas dizer: – Sejam todos bem-vindos ao trabalho!