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Bates Motel – Um sexo sem a regulamentação fálica

Fonte Pinterest
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Por Mario Neto

 O sexo na psicose, esse é o terceiro eixo de investigação e pesquisa sobre O Mistério da Sexuação, tema das III Jornadas da EBP SLO. No argumento desse eixo, Romulo Ferreira traz importantes contribuições para pensarmos sobre as invenções singulares na constituição da vida sexual dos psicóticos e como isso se dá para além dos limites fálicos, sem a presença da fantasia fundamental.

Para exemplificar as possíveis consequências do sexo sem a incidência da significação fálica, consideraremos um recorte da série Bates Motel, criada por Anthony Cipriano, com o objetivo de ampliar a história da família Bates, do filme Psicose, criado por Alfred Hitchcock, em 1960.

A série traz a recém-viúva Norma Louise Bates e seu filho de 17 anos de idade, Norman. Eles se mudam do Arizona para Oregon, onde compram um Hotel, seis meses após “a morte acidental e repentina” do pai de Norman, Sam Bates, que, na verdade, foi assassinado por Norman durante um dos “apagões”.

Algo curioso pode ser observado, já no nome dos personagens principais, Norma, a mãe e Norman, o filho, separados por apenas uma letra. O engodo simbiótico que impede a distinção simbólica entre mãe e filho, tem drásticos efeitos no campo do sexo para Norman. A ausência da metáfora paterna é explicitada nos delírios produzidos por Norman, sendo que a falta desse significante privilegiado e organizador, aparece nos surtos, quando ele se confunde com a própria mãe, acreditando ser ela.

Lacan (1966/1998), no texto ‘De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose’, diz: “a falta do Nome-do-Pai nesse lugar é o que, pelo furo que abre no significado, dá início à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que seja alcançado o nível em que significante e o significado se estabilizam na metáfora delirante” (Lacan, 1988: 584). É possível observar na série uma tentativa de estabilização, pelo uso da metáfora delirante, quando Norman é invadido por um gozo outro, um “empuxo à mulher” e se transforma na mãe cruel e vingativa que o autoriza a cometer delitos.

Especificamente, no encontro de Norman com o sexo, temos a seguinte cena: Norman ferido por uma briga, caminha sozinho pela chuva. No trajeto, a senhorita Watson, sua professora de inglês, lhe oferece carona e o leva para casa dela, para cuidar dos ferimentos. Após isso, Norman observa a professora tirar a roupa por uma porta entreaberta e alucina. Sua mãe aparece em seu delírio dizendo que a senhorita Watson o está seduzindo. Então, nesse momento, quando convocado a lidar com o próprio corpo e com o sexo, se transforma em sua própria mãe, que, por sua vez, condena a professora por sua conduta “libertina e inapropriada”.

A desordem provocada pelas questões da sexualidade, o faz experimentar uma invasão de um gozo sem limites. Frente à impossibilidade de responder com a significação fálica, Norman pega o colar que a professora usava e a estrangula até a morte.

O sexo, sem a tela fundamental que emoldura a fantasia, se tornou, para Norman, algo do insuportável, de um gozo intrusivo. No momento em que ele é convocado a ocupar o lugar do homem que daria conta do desejo de uma mulher, e que se separaria, assim, do lugar de filho, irrompe o surto psicótico. A mãe aparece em seu delírio numa vertente superegoica com o imperativo: mate!

Conforme constata Ferrrari (2009), “Há, no entanto, o Outro não barrado, imperativo, legislador, poderoso, com o qual todo ser falante se depara na vida. Lacan também chamava de Outro primordial a quem nada falta […] Ele é condição de alienação do sujeito, e é com esse Outro que o psicótico é confrontado.”

O recorte ilustrativo cinematográfico, fala das marcas de um sexo sem a regulamentação fálica. Essa temática nos provoca e convoca ao trabalho. Uma leitura dessa especificidade estrutural pode possibilitar, sob transferência bordejar, enlaçar e evitar desestabilizações.


Referências Bibliográficas
LACAN, Jacques. O seminário, livro 3: as psicoses (1955-1956). 2.ed. Versão Brasileira de Aluisio Menezes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. 366 p.
LACAN, Jacques. (1966/1998). De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose. (V. Ribeiro, trad.) In: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
FERRARI, Ilka Franco: Acerca do amor e algumas de suas particularidades na psicose. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672009000300010. Acesso em 22 de maio de 2022.
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