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O encontro com o sexual no caso do Pequeno Hans.
Por Tânia Martins (EBP/AMP)
Como é o encontro de cada falasser com o sexual?
Podemos pensar sobre isso a partir de diferentes pontos de vista, proponho abordá-lo aqui, com o caso Hans, publicado por Freud, a partir de um aspecto assinalado por Freud e destacado por Lacan em diferentes momentos de seu ensino. O encontro misterioso/ traumático de Hans com sua primeira ereção.
Em Freud
“As primeiras comunicações sobre ele datam de quando tinha três anos de idade. Expressou então, em diversos comentários e perguntas, um interesse bastante vivo pela parte do seu corpo que chamava faz-pipi (wiwimacher), Assim, uma vez dirigiu à sua mãe esta pergunta:
Hans: ‘Mamãe, você também tem um faz-pipi?’
Mãe: ‘Claro que tenho. Por quê?’
Hans: ‘Nada, só estava pensando.’ [1]
“Seu interesse pelo faz-pipi não era somente teórico, no entanto; como é de imaginar, também o levou a tocar o membro. Aos três anos e meio, sua mãe o viu pegando no pênis. Ela o ameaçou\; ‘Se você fizer isso, chamarei o Dr A. e ele cortará seu faz-pipi. Com o que você vai fazer pipi então?’
Hans: ‘Com o bumbum’.
Ele responde sem consciência de culpa, mas adquire, nessa ocasião, o complexo de castração.”[2]
A partir dos textos freudianos que tratam sobre o encontro da criança com a sexualidade e com a distinção entre os sexos, vemos que, para Freud, só há um significante para dizer o sexo, o falo.
Na discussão do caso Freud desenvolve alguns aspectos do que está em torno de Hans. Fala da relação de Hans com sua mãe, dos excessos que permeavam esta relação; e do seu pai dedicado e complacente. Além disto, ele observa quão pouca era a atenção que a mãe de Hans dava à palavra do pai, assim como, do pai de Hans em relação à sua mulher.
Em Lacan:
Encontramos no ensino de Lacan alguns momentos em que ele comenta o caso Hans. Destaco aqui dois momentos em que podemos observar uma certa continuidade e uma mudança de olhar.
São eles um extenso comentário, de vários capítulos dedicados a este caso, no Seminário “A relação de Objeto” (1956/1957), e em 1975 na Conferência de Genebra sobre o sintoma e no Seminário RSI. Entre 1957 e 1975 a mudança de perspectiva trazida no ensino de Lacan, ocorreu em relação à concepção da metáfora paterna e ao conceito de gozo.
No Seminário IV
“O que muda, é que o seu próprio pênis começa a tornar-se alguma coisa completamente real. Seu pênis começa a agitar, e a criança começa a se masturbar. O elemento importante não é tanto que a mãe intervenha neste momento, mas que o pênis se tenha tornado real. Este é o fato da observação. A partir daí, devemos nos perguntar se não existe uma relação entre este fato e o que aparece, isto é, a angústia.”[3]
No Seminário RSI
“A angústia é isso que, do interior do corpo, ex-siste quando há alguma coisa que o desperta, que o atormenta, vejam o pequeno Hans, quando se dá conta de ser sensível à associação com um corpo, ali, explicitamente macho, definido como macho, associação a um corpo de um gozo fálico. Se Hans se lança na fobia, é evidentemente para dar corpo, como demonstrei durante um ano inteiro, ao embaraço que há nesse falo, e para o qual ele se inventa toda uma série de equivalentes diversamente escoiceantes, sob a forma da fobia de cavalos” [4]
Na Conferência em Genebra sobre o sintoma
“Só há necessidade de saber que, em certos seres, assim chamados, o encontro com a própria ereção não é absolutamente autoerótico. É o que há de mais hétero. … que esse pobre pequeno Hans só pensa nisso – encarná-la em objetos que são o que há de mais externo, isto é, naquele cavalo que relincha, que dá coices, que salta, que cai no chão. Esse cavalo que vai e vem, que tem um certo modo de deslizar ao longo do cais, arrastando sua charrete, é o que há de mais exemplar para ele daquilo que tem que enfrentar e sobre o qual não entende exatamente nada, graças ao fato, sem dúvida, de que ele tem um certo tipo de mãe e um certo tipo de pai. Seu sintoma é a expressão, a significação, dessa recusa”. [5]
Em 1957, Lacan demonstrou, a partir dos detalhes do caso relatado por Freud, a operação significante que permitiu a construção do sintoma e as transformações que Hans operou servindo-se de substituições para construir uma suplência da carência paterna. Freud e Lacan trabalharam com este conceito. Freud e Lacan se referem às dificuldades de Hans por não contar com elementos simbólicos para lidar com a intrusão de seu gozo fálico, referem-se a sua relação familiar. Lacan contava com a metáfora paterna, como foi concebida nesta época, o Nome do Pai e o Desejo da mãe.
No seminário RSI, Lacan já falou de um ser que tem que se haver com o gozo que ex-siste, e vemos que Lacan fala de um corpo, a dificuldade na associação a um corpo de um gozo fálico.
A diferença fica mais evidente na Conferência em Genebra sobre o sintoma, onde Lacan fala de um gozo hétero e de recusa. Apesar da referência a um certo tipo de pai e a um certo tipo de mãe, isso não parece uma solução que prioriza o simbólico, mas nos ajuda a pensar a singularidade desta contingência e do mal-entendido dos gozos. Falar de gozo hétero aponta à não relação. Neste texto, o termo hétero surge como uma divergência de Freud, em relação a concepção freudiana de gozo autoerótico no sintoma. O sintoma como expressão de uma recusa explicita a impossibilidade, algo de real do sintoma.