Aconteceu em tempos de cólera e outras epidemias Por Rosangela Ribeiro – Comissão amurados “Se…
Editorial Boletim amurados #04
Por Waléria Paixão e Regina Cheli Prati – Comissão de Boletim
A quarta edição de amurados vem dedicada ao tema do ódio, uma das acepções da palavra ‘cólera’ que compõe o título das II Jornadas, significante que nos leva a um sentimento tão antigo quanto o mundo. Nossa constatação é a de que hoje ele ganhou terreno, e isso não é sem consequência.
A psicanálise sempre teve o ódio como objeto de investigação e tem uma visão própria do assunto. Freud já falava dele nos seus textos A Pulsão e seus destinos (1915) e O mal-estar da civilização (1935), Lacan retoma o tema em vários de seus seminários e no Seminário 20, Mais, ainda traz o ódio como um par inseparável do amor, forjando o conceito de amódio.
Os textos que compõem essa edição se constituem, como vocês poderão constatar, em diferentes declinações do ódio e seus objetos, que, na verdade, podem ser condensados por um único significante: o diferente – aquele que não sou eu e cujo gozo não reconheço, ou, ainda, cujo gozo aponta algo em mim que não quero reconhecer.
Anaëlle Lebovits-Quenehen inaugura esse percurso com a resenha de seu livro recém publicado Atualidade do ódio, uma perspectiva psicanalítica no qual ela nos faz pensar sobre qual a cara desse sentimento hoje, qual a vestimenta que ele usa para se mostrar. A autora afirma que o ódio está ganhando terreno e propõe um engajamento “contra a besta imunda”, e então questiona as condições sob as quais este ódio emerge de suas fontes e explora o que está em jogo.
Leonardo Lopes Miranda, ao abordar os Incels – celibatários involuntários – e o ódio à feminilidade, lembra que a mulher costumeiramente encarna a feminilidade, ou seja, aquilo que escapa à norma fálica e, nessa condição, é um dos objetos privilegiados do ódio. A leitura nos leva a considerar o celibato como uma forma de evitar o encontro com o enigma do gozo feminino e uma defesa da virilidade, enfim, uma forma de gozar.
Na sequência, Victor Caetano aborda uma pandemia que aconteceu na década de 80, a segunda maior pandemia em número de mortos desde o século passado – a AIDS – como uma doença cuja relação com o ódio e a segregação é direta. Por ter sido detectada em um grupo de homossexuais, seu estigma foi disseminado por todo o mundo e hoje se traduz no ódio dirigido à população LGBTQIA+.
Em labirintos, Simone Vieira nos traz o relato contundente de Primo Levi cuja experiência leva à constatação de que a humanidade foi sufocada nos dois lados dos campos de concentração e traz ainda o trabalho de Lucíola Freitas de Macedo, que usa a noção de extimidade como chave de leitura da obra de Primo Levi, o que abre o testemunho com uma perspectiva de interpretação que mantém ‘vivo’ o sobrevivente do massacre.
O filme A favorita, de 2018, é sugerido por Rosângela Ribeiro, que destaca as modulações do ódio que aparecem no pântano de intrigas em torno da rainha, como uma mostra das artimanhas que podemos criar quando somos movidos pelo amor e pelo ódio, sendo o ódio o que aparece a cada vez que o real irrompe.
Por fim, André Pacheco nos apresenta o romance de Michel Laub Solução de dois estados onde a história do ódio entre dois irmãos serve de mote para a denúncia de um gozo que aparece descaradamente como uma barra de ferro sobre a cabeça.
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Desejamos a todos uma boa leitura!