Por Frederico Feu de Carvalho (EBP/AMP) A erotomania é uma exigência pulsional derivada do postulado…
INCELS E O ÓDIO À FEMINILIDADE1
Leonardo Lopes Miranda (EBP/AMP)
Em 2018, Alek Minassian, um canadense de 25 anos, foi preso acusado de homicídio após ter atropelado dezenas de pedestres em Toronto. Chamou atenção o fato de Minassian participar de um grupo de discussão na internet chamado Incels (diminutivo da expressão involuntary celibates), os celibatários involuntários. Trata-se de homens jovens que não conseguem ter relações amorosas e atribuem culpa às stacys e aos chads (mulheres e homens sexualmente ativos) por esse fracasso[2]. Encontramos esses grupos que se reúnem em fóruns no submundo da internet para propagar ódio contra mulheres. Vemos a tecnologia servindo à formação de grupos e, como produto de um processo de identificação, tem a eleição de um inimigo: as femoids (expressão que confere às mulheres um estado inferior ao humano).
Podemos pensar aqui o celibato como forma de evitar o encontro com o enigma do gozo feminino, como forma de defesa da virilidade. Freud (1937) [3] nos mostrou que o repúdio à feminilidade é uma característica da vida psíquica presente tanto no homem como na mulher.
Quando falamos homem e mulher, nos referimos a semblantes, posições que têm variações na parceria. A mulher, por sua relação “de origem” com a castração, é quem encarna mais a feminilidade. Miller diz que a mulher é amiga do real por não ter a mesma relação com a castração que os homens.
Ela é o suporte de uma verdade, “a equivalência entre gozo e semblante” [4], com a qual o homem, em sua frágil virilidade, não suporta se deparar. “É certamente mais fácil para o homem enfrentar qualquer inimigo no plano da rivalidade do que enfrentar a mulher como (…) suporte do que existe de semblante na relação do homem com a mulher” [5]. Essa proximidade com o real faria da mulher objeto de tanto ódio. Testemunha de um gozo excessivo, ela está constantemente na posição de transgressão, de escapar à norma fálica. “Sabemos até que ponto nos ocupamos de conter o gozo feminino, e como se tentou tamponar, canalizar, vigilar, este excesso de gozo”[6].
Diante desse gozo suplementar, o sujeito se sente ameaçado, pois o que excede retorna como ameaça de ser objeto de gozo. O ódio se dirige ao gozo do Outro: se dirige não só às mulheres, mas também aos homens que conseguem se relacionar com elas. Tenta-se evitar o encontro com a diferença e com o real da inexistência da relação sexual. Segundo Lacan, diante da impossibilidade de uma relação de proporção com o Outro sexo, há o semblante: ali onde não há nada, cremos que há algo.
Miller propõe que, atualmente, o sujeito se representa pela categoria dos semblantes não mais como articulador do simbólico e imaginário, mas como predominância, crença total no semblante. Segundo ele, o enfraquecimento simbólico torna o registro imaginário mais consistente, uma vez que o eixo simbólico não produz mais o furo no eixo imaginário, “não se encontra em absoluto em condições de perfurar, atravessar o imaginário” [7].
Com a prevalência do registro imaginário, há maior investimento no eu, que, além de transmitir uma falsa unidade, também inflaciona a ideia da perseguição, pois, como sabemos, o eu é paranoico. Podemos entender o celibato em questão, que se diz involuntário, como voluntário em sua renúncia sexual, que sabemos ser também uma forma de gozar.