Radar – Marina Morena Torres conversa com Daniele Menezes, Geisa de Assis e Jefferson Nascimento

Neste episódio do Radar, a conversa partiu das ressonâncias de um evento realizado pela Diretoria de Biblioteca da Escola Brasileira de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro acerca do livro “Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social”, de Neusa Santos Souza, publicado originalmente em 1983.

Para tratar das discussões propostas pelo livro de Neusa, mas também no intuito de dar um passo a mais e englobar outras discussões que estão em pauta na área atualmente, convidamos à conversa os psicanalistas Geisa de Assis, Daniele Menezes e Jefferson Nascimento.

Os convidados abordam a relação entre psicanálise e racismo, perpassando as temáticas de raça, branquitude, identidade, política e clínica, em uma leitura baseada nas especificidades da cultura brasileira.

Apresentação Radar

Do que acontece na cidade, muita coisa concerne aos psicanalistas. Mais ainda em um tempo e em um lugar como os nossos, que caminham tantas vezes em direção ao pior. O que Freud aprendeu e ensinou sobre a subjetividade vale igualmente para o esforço conceitual da psicanálise: as alteridades mais relevantes são, na verdade, internas.

Ligar nosso Radar não é, portanto, um movimento secundário e recreativo, mas sim um gesto primário e constitutivo; nossas teorias e nossas práticas são permanentemente informadas pelas trocas com o que pulsa em nosso território.

Canções, imagens, filmes, exposições, textos e tantas outras produções culturais sempre foram nossos aliados, mas alguns nos tocam mais diretamente, por provocarem aberturas de um jeito afim à experiência do inconsciente. Deles nos serviremos, não como analogias, nem como exemplos, mas como lições para prosseguir no rastro de Freud e de Lacan, ainda que por novos caminhos. 

Coordenação: Marcus André Vieira

Equipe:

  • Daniele Menezes
  • Flávia Cêra
  • Jefferson Nascimento
  • Lourenço Astua de Moraes
  • Marina Morena Torres
  • Rodrigo Lyra Carvalho

II – 01 | Letícia Cesarino

“Atrator estranho de Edward Lorenz”

Para lançar uma nova temporada, o Radar conversou com Leticia Cesarino, professora no Departamento de Antropologia da UFSC, sobre seu livro “O mundo do avesso: verdade e política na era digital”, publicado pela UBU em 2022.

É um livro fundamental para acessar diversas chaves de leitura e novas perspectivas sobre o que está ocorrendo conosco e à nossa volta. Leticia aborda os profundos efeitos de desestruturação e instabilidade que temos testemunhado em nossa sociedade, causados ou ao menos acompanhados pela incidência das ferramentas digitais. Tudo isso com foco importante na dimensão política e nos chamados regimes de verdade. O livro narra a experiência de uma quebra generalizada de confiança nas instituições tradicionais e de uma profunda perturbação de fronteiras que mantinham apartados campos distintos, como o público e o privado, civil e militar, jurídico e político, fato e ficção.

Ao lado dessa descrição, há uma leitura estrutural e cibernética, uma série de múltiplos recursos conceituais para elucidar como a arquitetura das plataformas digitais impactam, política, saber, subjetividade. Os pontos de contato com a psicanálise são muitos: nos interessam as novas estruturas coletivas sendo criadas, novas realidades de assimetria entre sujeito e Outro, impasses distintos no acesso o que é diferente, estranho, êxtimo, além de uma série de perguntas sobre outros modos de manifestação do que pode autêntico na experiência individual com o corpo e com a linguagem.

Abaixo, uma lista hiper sintética de pontos que nos tocaram:

  1. Este livro é uma “produção liminar” em sintonia com seu objeto, as redes;
  2. As redes digitais são um objeto que põe em crise o conhecimento linear;
  3. Para o livro, foi preciso coragem e Bateson, com sua ecologia da mente;
  4. Trata-se de uma mistura de paradigmas (não apenas analogias);
  5. Letícia Cesarino: “Não sei se algum dia farei outro livro como esse”;
  6. Quais reestruturações estariam em curso?;
  7. Entre “cisma” e “platôs”, há uma dialética em jogo;
  8. “Sonhei que Bateson ia me dar a saída”;
  9. Uma nova Gestalt que só estará clara mais adiante;
  10. Entre as gramáticas lineares e as sistêmicas, temos que ficar com as duas;
  11. Nas redes, é preciso competir com as camadas intermediárias;
  12. Na seara política, disputar sim, mimetizar, não;
  13. O “intelectual orgânico” de hoje é o que está no ambiente digital e usa o algoritmo a seu favor;
  14. É preciso uma nova maneira de ler as oposições entre esquerda e direita; por exemplo, universalismo e particularismos;
  15. É preciso ganhar tempo para que uma nova composição para a esquerda se dê;
  16. Pode-se explorar as margens das plataformas.

Aberturas e fechamentos na Escola

Fala de encerramento na comissão da Diretoria de Cartéis 2021-2023
Renata Martinez

Boa-noite a todos! Que bom estar ao vivo aqui na nossa casa nesse brinde de encerramento de mais um ano da vida da EBP Rio. Gostaria de começar agradecendo às minhas colegas de comissão Maricia Ciscato, Ana Luiza Rajo, Cristina Duba, Maria Antunes e Sandra Landim pelo trabalho potente que fizemos juntas ao longo desses quase dois anos. Muitas vezes esses agradecimentos são meras formalidades, mas espero que em minha enunciação isso possa ir além… Quero agradecer também à Ruth Cohen pela generosidade e abertura ao novo com que conduziu essa gestão e a Cristina Frederico, Ana Beatriz Freire e Maricia Ciscato, cada uma a seu modo, pela quase conclusão do desafio a que se propuseram nessa diretoria!

Quando a Maricia me convidou para compor a comissão de cartéis, eu estava finalizando minha passagem pela diretoria de secretaria e tesouraria, feliz, porém exausta. Ponderei, mas resolvi aceitar, apostando e desejando que o exercício da permutação me oferecesse boas surpresas. Obrigada, Ma, pela oportunidade e pela parceria, aprendi muito com você, (aliás aprendo sempre, desde nosso encontro no ICP há 20 anos)!

Bem, para hoje, como a Maricia anunciou, combinamos de falar mais descontraidamente sobre algum ponto que tenha nos fisgado nesse tempo. Foram muitos eventos exitosos: noite de cartéis com Romildo, uma Jornada de Cartéis com mais de 40 trabalhos apresentados, a presença poderosa e inédita da lógica coletiva do cartel nas Jornadas da Seção e do ICP…

Porém, resolvi partir de trás para frente e falar de algo que apareceu no último “Procura-se cartéis”, em 18 de novembro último e que me surpreendeu por trazer um certo avesso às conquistas que acabo de mencionar: me chamou a atenção não apenas a baixa adesão de participantes nesse encontro como o que pude nomear de “angústia diante da entrada”. As falas giraram em torno desse afeto como algo marcante e muitas vezes impeditivo para se ir adiante. Relatos angustiados sobre as mais variadas dificuldades apareceram indiferentemente dos momentos da formação de cada um: na lida com a teoria, na formação de um cartel, na busca pelo Mais-Um e, principalmente, o que ficou claro para mim, a angústia diante da impossibilidade de vislumbrar um caminho a trilhar junto a Escola. Continue lendo “Aberturas e fechamentos na Escola”

Do navio-abrigo ao fazer Escola

Por Ana Luisa Rajo

Participar da comissão de cartéis e intercâmbios da seção-RJ me animou imediatamente. A possibilidade de ver operar esse dispositivo de base na própria seção e como se dá esse fazer escola através dos pequenos grupos sempre me pareceu um verdadeiro enigma. Além disso, acompanhar como cartéis estavam ou não se formando, os temas pesquisados e como nos servimos desses produtos também me instigou.  Soma-se a isso um convite desejoso da Maricia para trabalhar com um pequeno grupo precioso. Agradeço a Maricia e ao trabalho decidido de cada uma: Sandra Landim, Renata Martinez, Maria Antunes e Cristina Duba. Agradeço ao aprendizado ao longo desses dois anos.

Nesse convite, me emocionei ao dizer da importância do cartel que, durante a pandemia, foi pra mim um navio a me abrigar da deriva que estávamos submetidos nesse período. Porém essa comissão foi mais que um navio-abrigo: tentou ler, inventar novas rotas, dar lugar ao mal-estar no qual estávamos imersos e, sobretudo, apostar nesse dispositivo inventado em tempos de um Outro desfacelado pode, hoje, mais ainda, nos servir de bússola e nos permitir arejar frente à aridez do real. Continue lendo “Do navio-abrigo ao fazer Escola”

O cartel para fazer Escola. Uma experiência.

Por Maria Antunes

Agradeço a Maricia Ciscato diretora de cartéis e intercâmbios pelo convite para participar do trabalho nesta comissão. Agradeço também a Cristina Duba que através do trabalho de mais um do cartel, provocou um trabalho instigante . Por fim agradeço a Renata Martinez, Sandra Landim e Ana Luiza Rajo pelo rico trabalho que as leituras e discussões produziram.

Quero começar destacando que decidimos por um trabalho de cartel ao mesmo

tempo que o trabalho da comissão de Cartéis e Intercâmbio, foi se desenvolvendo e isso teve, para mim, um efeito de experiência.

Só agora, no a posteriori, pude me dar conta que esse trabalho de comissão produziu uma pequena lanterna na escuridão, na qual nos encontrávamos, quando iniciamos o cartel.

Naquele momento foi fundamental, para mim, desenvolver um trabalho de cartel para pensar o trabalho da comissão.

Estávamos sofrendo as repercussões das atrocidades de um governo genocida. A leitura dos textos e as discussões sobre a invenção de Lacan do cartel como ”

máquina de guerra ” para combater os ideais e os universais que produzem violência e segregação, me fez sair da paralisia, provocada pelo horror e pelo medo, e me colocou aos poucos em movimento. Poder pensar, ouvir e trocar com as colegas do cartel, promoveu uma abertura, onde pude contar com a transferência de trabalho que se estabeleceu, reconectando meu trabalho na Escola. Continue lendo “O cartel para fazer Escola. Uma experiência.”

Da aridez à leveza de ter um Lula no fim do túnel

Por Sandra Landim

Primeiramente gostaria de agradecer imensamente a Maricia Ciscato pelo convite para participar da Diretoria de Cartéis. Queria agradecer também a cada uma que compôs essa diretoria atravessada pelo desejo, Ana Luisa Rajo, Cristina Duba, Maria Antunes e Renata Martinez.

Estava há muitos anos na comissão de mídias, ali havia algo “dado”, uma vez que todas as atividades passavam de antemão por mim. Havia um automaton naquele modo de operar, estava ali numa zona de conforto.

A experiência de estar na diretoria de Cartéis trouxe a possibilidade de circular em outros espaços da Escola. Sacudiu esse automaton e foi necessário ressignificar o modo de estar e de fazer Escola. Foi um trabalho que suscitou muita angustia para poder me recolocar. Posso adiantar que houve muitas confusões de horários e datas para participar das atividades. Haja análise!

Passaram-se dois anos! De um lado é tanto tempo, de outro parece que passou num piscar de olhos. Tive que voltar ao nosso grupo para relembrar por onde começamos.

O funcionamento proposto foi de que formássemos um cartel, esse dispositivo que Lacan propôs desde a fundação de sua Escola. Trabalho de pequenos grupos que, a meu ver, é uma forma de fazer uma Escola viva. No texto O lugar do cartel na formação do analista, Nohemí Brown nos diz: “Trata-se não mais de um saber Suposto, senão de um saber a produzir. E mais do que produzir um saber, trata-se de produzir uma mudança de posição com relação ao saber. Continue lendo “Da aridez à leveza de ter um Lula no fim do túnel”

A cessão que acontece num instante oportuno

Por: Fernanda Otoni

A pergunta O que é uma sessão de análise? fez parte do convite para estar aqui com vocês hoje e me fez revisitar outra pergunta que se instalou desde que Romildo do Rêgo Barros, Diretor da EBP, me passou o título do Encontro Brasileiro: o sintagma “Analista:presente!” seria só um outro modo de se referir ao conceito “presença do analista” ou dá um giro e pede um desdobramento?

Presente é o mesmo que presença? 

O analista, em carne e osso, não precisa estar presente para que a presença do analista opere. Desde antes do início de uma análise, a presença do analista se manifesta nos sonhos, na sala de espera, depois do término da sessão – é um efeito da transferência. Com Freud e Lacan podemos ler que a presença do analista pode acontecer em defesa da eclosão de outra coisa que ali se faz presente! «De repente eu realizo o fato da sua presença…» A presença do analista é aí agalma e véu, formação do inconsciente.

Mas o título do XXIV Encontro Brasileiro também parece evocar, convocar ao que, na sessão analítica, se faz presente como uma irrupção: é o instante onde o véu se suspende e o real da coisa se passa como um murmúrio, equívoco, uma vertigem, vociferação. Sua passagem apressa o ato como um efeito que a testemunha. Será esse o instante oportuno de uma sessão analítica? Quando a presença e o presente se encontram, no esp de um laps, e acontece uma cessão do grão analítico?

Sobre a sessão analítica, Miller dirá no curso Los usos del lapso: “A sessão analítica se apresenta como um encontro […], quer dizer, que dois corpos ocupem o mesmo espaço durante certo lapso de tempo, que convivam no espaço durante certa duração de tempo.”[1] Um convívio cuja dissimetria faz forçamento, instaura um compasso/descompasso, entre os tempos, pois esses dois não estão animados por um mesmo movimento. Para Miller, “o analista é uma atração”, com toda equivocidade que evoca esse termo, “os corpos gravitam até ele”.[2] Há tração, tem algo aí que puxa, atrai. Vai-se ao seu encontro. Há, então, um valor nesse encontro, um valor de tração e cessão! Continue lendo “A cessão que acontece num instante oportuno”

A SESSÃO ANALÍTICA

Por: Glória Maron

Primeira pontuação: a sessão analítica

A sessão analítica comporta um conjunto de coordenadas que ao formar o dispositivo inclui uma função importante como veremos no desdobrar do texto. Marcada pelo encontro dos corpos do analista e analisante, laço onde não há simetria nem reciprocidade[1],a sessão tem uma dimensão previsível ou regular, que comporta dia, horário, tempo da sessão, valor, etc… Por outro lado, há uma imprevisibilidade que toca o analista e analisante.

Há uma tensão entre o previsível e o imprevisível da sessão analítica que por sua vez está condicionada pela própria presença do analista, que longe de reproduzir transferencialmente personagens que marcaram a história do falasser, encarna algo que excede, que escapa a esses personagens familiares[2]. O analista pode, a qualquer momento, presentificar o estranho, o mais infamiliar ao sujeito. Em outras palavras, a manifestação de sua presença pode se dar no marco da irrupção do real. O lugar do analista não se reduz portanto a se constituir o destinatário do Outro do inconsciente. O analista, ele próprio, sujeitado ao inconsciente estruturado como falha, equívoco, mal entendido; tendo chegado o mais próximo do real em sua experiência de análise, conduz uma análise na posição de semblante de objeto a, se oferecendo a encarnar o furo, o trauma, o que perturba a defesa frente ao gozo impossível de negativizar e simbolizar.

A sessão analítica regida pelo que ali acontece e sua dimensão imprevisível, precipitam a urgência do ato. Nessa direção, podemos afirmar que o analista de antemão não sabe o que vai acontecer na sessão, mas sua função o convoca à uma posição de abertura ao indeterminado, à contingência, que fura a regularidade da sessão analítica, abrindo à surpresa. A surpresa diz respeito a um momento não homogêneo em relação ao restante do tempo da sessão[3], instante relâmpago que se instaura num lapso de tempo em que a presença do analista se manifesta no fulgurar do inconsciente em sua dimensão real, ininterpretável, presentificando o gozo vivificado que reverbera no corpo do analisante[4]. Continue lendo “A SESSÃO ANALÍTICA”

O corpo do senhor – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (quarto encontro)

Segue o link do seminário Seminário Psicanálise e Política 4 (27.06.2022): https://drive.google.com/file/d/1EPu7zy6b6hzN9Qei3Wf82-ko9ksTs4g_/view?usp=sharing

 Neste quarto encontro, encerramos o semestre, mas, não o trabalho e a discussão sobre Psicanálise e Política, investigando esse tema à brasileira.

Após assentarmos nossas bases a partir da formulação “identificar-se com o sinthoma”, propusemos a leitura de algumas mudanças no Outro da cidade, a seguir estabelecemos quais seriam nossos guias, nossos intercessores no sentido que dá J. A. Miller a este termo. São os que não se apoiam no imaginário do corpo e da identidade para sustentar suas posições e ações, às vezes de sobrevivência, na cidade, mas incluem em sua estratégia o horizonte da diferença absoluta, da singularidade real que presida uma análise.

Mantendo o corpo em cartaz, vamos encerrar, hoje, o semestre trazendo questões sobre o corpo do mestre. Continue lendo “O corpo do senhor – Psicanálise e Política – Seminário da EBP-Rio (quarto encontro)”

Rolar para o topo