

O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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ser bem-sucedida demonstrava que a substância do inconsciente era a mesma
que a da interpretação. Ou seja, o inconsciente tinha a estrutura de linguagem.
Estendi isso ao máximo quando enunciei, há algum tempo, o inconsciente
intérprete. Com efeito, o real ficava na porta, e todo interesse incidia sobre os
mecanismos da cadeia significante, sobre o recalque, a denegação, a foraclusão,
a recusa. Se deixamos o real de fora, se sua função só aparece sob a inércia dos
fatores imaginários, então é legítimo conceber o paciente como sujeito do
significante. Mas, quando percebemos que a finalidade do aparelho significante
é o gozo, a coisa é diferente.”
“Foi o que uma vez levou Lacan a escrever, na Apresentação feita por ele, a
pedido meu, das Memórias do presidente Schreber: o sujeito do gozo. Se ele,
não o repetiu, foi porque isso não se sustentou. Ele precisou de mais dez anos
para lançar o
falasser
, sem dúvida o ser que só o é por falar – quando não se
fala não se é um ser -, essencialmente, o ser que fala de seu gozo, digamos isso
inclusive como complemento de objeto direto: o ser que fala seu gozo, cujo gozo
é a razão última de seus ditos.”
p. 131
“Lacan destituirá o sujeito chamando-o de
falasser
, retirando-lhe até mesmo seu
nome de sujeito. E, além de chamá-lo de
falasser
, no final da última parte de
seu ensino trará, como nome do sujeito, o
sinthoma
. Esse é o verdadeiro nome
do sujeito ao longo de toda a parte final do último ensino de Lacan. Aliás,
quando ele escreve sobre Joyce, diz: “Joyce o Sintoma”, ou seja, ele o junta a seu
nome próprio para fazer dele um sobrenome. Lacan chamará de sinthoma o
nome daquilo a que outrora chamava a Coisa, das Ding, ou então, em termos
freudianos, ele chama de sinthoma uma figura do isso, não mais como uma
instância, mas como uma montagem.”
p. 137
“Podemos dizer que ele se apega ao inconsciente. Em alguns casos, o gosto de
decifrar-se é inteiramente palpável. Alguns se mantêm em análise por conta
desse gosto, mas não todos. Talvez se possa dizer que eles se apegam ao fato de
falar em análise, falar em pura perda, fora do utilitarismo que preside a vida
social, ou falar a rédeas soltas.”
p. 140
“… Ao passo que a fala em análise deve obrigar-se a ser irrefletida. É o que
chamamos de associação livre. Em definitivo, essa
fala irrefletida
é o que
chamamos de inconsciente. Há uma estreita relação entre a associação livre e o
inconsciente, uma vez que fazemos da associação livre o modo eletivo de acesso
ao inconsciente.”
p. 140
“… Essa opacidade está sempre ali, na fala do analisando, ela a constitui a tal
ponto que, enquanto essa opacidade não aparecer como fenômeno, sob uma
forma ou outra, pode-se dizer que não se está em análise. Tudo isso se deixa
reunir na fórmula
eu não sei
. O que chamamos de sujeito do inconsciente
emerge na consciência, ou emerge no dito, sob formas que se deixam reunir na
rubrica do
não sei
.”
p. 142
“… A fórmula do sujeito suposto saber não deve fazer acreditar que o analista
seja minimamente afetado pelo índice
eu sei
. Lacan diz com clareza que tanto
o analista quanto o analisando estão do mesmo lado quanto ao inconsciente:
reclamando para que a porta se abra. O que chamaremos de inconsciente é o
lugar do saber, o lugar onde
isso sabe
.”
p. 144
“… O que as formações deixam de lado é o fundo de gozo do sintoma, do
sonho, do lapso etc. Lacan designou esse fundo de gozo de objeto
a
. Nesse
sentido, pode-se dizer que a fórmula da fantasia seria a boa fórmula de todas
as formações do inconsciente: todas as formações do inconsciente devem ser
retomadas com referência à conexão entre o significante e o gozo.”
p. 154
“Isso tem consequências. Não conceitualizamos mais o paciente como sujeito,
e sim como
falasser,
o que significa: há um ser pelo fato de ele falar – os outros
talvez sejam seres, mas nada sabem disso porque não falam -, e esse ser se deve ao
fato de haver um corpo. O sujeito da fala é pensado em relação ao significante.
O
falasser
é um sujeito que fala e é falado, e isso com relação a um corpo, ao que
Lacan se absteve de dar uma letra.”
p. 169
“Essa noção encontra-se ainda em seu esquema do discurso do mestre, que
é também o discurso do inconsciente, conforme ele precisa, no qual o S do
significante encontra-se desdobrado – S1. Poderia utilizar o que já escrevi no
quadro, pondo S1 nesse ponto, S2 e o efeito-sujeito no ponto terminal do
primeiro vetor retroativo.”
p. 173
“… Quando Lacan dizia
a história
de um sujeito essa era, ao contrário,
extremamente valorizada: a verdade estava ligada a essa
história
no singular.
Para Lacan, a expressão
história do sujeito
correspondia ao termo “inconsciente”,
chegava até esse ponto.”
“Assim, na
p. 260
dos Escritos, em “Função e campo da fala e da linguagem
em psicanálise”, seu primeiro grande texto, encontramos a definição segundo a
qual o inconsciente é um capítulo censurado, o capítulo censurado de um texto
que é a história do sujeito. Diz Lacan: “O inconsciente é o capítulo de minha
história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira.”* Em
outras palavras: para ele, o inconsciente era correlativo de
minha história como
sujeito,
visto que, nessa história, alguma coisa não pôde inscrever-se, figurar,
manifestar-se e, exatamente ser dita.”
Jacques-Alain Miller