Background Image
Table of Contents Table of Contents
Previous Page  318-319 / 536 Next Page
Information
Show Menu
Previous Page 318-319 / 536 Next Page
Page Background

O CORPO FALANTE

X Congresso da AMP,

Rio de Janeiro 2016

319

318

ser bem-sucedida demonstrava que a substância do inconsciente era a mesma

que a da interpretação. Ou seja, o inconsciente tinha a estrutura de linguagem.

Estendi isso ao máximo quando enunciei, há algum tempo, o inconsciente

intérprete. Com efeito, o real ficava na porta, e todo interesse incidia sobre os

mecanismos da cadeia significante, sobre o recalque, a denegação, a foraclusão,

a recusa. Se deixamos o real de fora, se sua função só aparece sob a inércia dos

fatores imaginários, então é legítimo conceber o paciente como sujeito do

significante. Mas, quando percebemos que a finalidade do aparelho significante

é o gozo, a coisa é diferente.”

“Foi o que uma vez levou Lacan a escrever, na Apresentação feita por ele, a

pedido meu, das Memórias do presidente Schreber: o sujeito do gozo. Se ele,

não o repetiu, foi porque isso não se sustentou. Ele precisou de mais dez anos

para lançar o

falasser

, sem dúvida o ser que só o é por falar – quando não se

fala não se é um ser -, essencialmente, o ser que fala de seu gozo, digamos isso

inclusive como complemento de objeto direto: o ser que fala seu gozo, cujo gozo

é a razão última de seus ditos.”

p. 131

“Lacan destituirá o sujeito chamando-o de

falasser

, retirando-lhe até mesmo seu

nome de sujeito. E, além de chamá-lo de

falasser

, no final da última parte de

seu ensino trará, como nome do sujeito, o

sinthoma

. Esse é o verdadeiro nome

do sujeito ao longo de toda a parte final do último ensino de Lacan. Aliás,

quando ele escreve sobre Joyce, diz: “Joyce o Sintoma”, ou seja, ele o junta a seu

nome próprio para fazer dele um sobrenome. Lacan chamará de sinthoma o

nome daquilo a que outrora chamava a Coisa, das Ding, ou então, em termos

freudianos, ele chama de sinthoma uma figura do isso, não mais como uma

instância, mas como uma montagem.”

p. 137

“Podemos dizer que ele se apega ao inconsciente. Em alguns casos, o gosto de

decifrar-se é inteiramente palpável. Alguns se mantêm em análise por conta

desse gosto, mas não todos. Talvez se possa dizer que eles se apegam ao fato de

falar em análise, falar em pura perda, fora do utilitarismo que preside a vida

social, ou falar a rédeas soltas.”

p. 140

“… Ao passo que a fala em análise deve obrigar-se a ser irrefletida. É o que

chamamos de associação livre. Em definitivo, essa

fala irrefletida

é o que

chamamos de inconsciente. Há uma estreita relação entre a associação livre e o

inconsciente, uma vez que fazemos da associação livre o modo eletivo de acesso

ao inconsciente.”

p. 140

“… Essa opacidade está sempre ali, na fala do analisando, ela a constitui a tal

ponto que, enquanto essa opacidade não aparecer como fenômeno, sob uma

forma ou outra, pode-se dizer que não se está em análise. Tudo isso se deixa

reunir na fórmula

eu não sei

. O que chamamos de sujeito do inconsciente

emerge na consciência, ou emerge no dito, sob formas que se deixam reunir na

rubrica do

não sei

.”

p. 142

“… A fórmula do sujeito suposto saber não deve fazer acreditar que o analista

seja minimamente afetado pelo índice

eu sei

. Lacan diz com clareza que tanto

o analista quanto o analisando estão do mesmo lado quanto ao inconsciente:

reclamando para que a porta se abra. O que chamaremos de inconsciente é o

lugar do saber, o lugar onde

isso sabe

.”

p. 144

“… O que as formações deixam de lado é o fundo de gozo do sintoma, do

sonho, do lapso etc. Lacan designou esse fundo de gozo de objeto

a

. Nesse

sentido, pode-se dizer que a fórmula da fantasia seria a boa fórmula de todas

as formações do inconsciente: todas as formações do inconsciente devem ser

retomadas com referência à conexão entre o significante e o gozo.”

p. 154

“Isso tem consequências. Não conceitualizamos mais o paciente como sujeito,

e sim como

falasser,

o que significa: há um ser pelo fato de ele falar – os outros

talvez sejam seres, mas nada sabem disso porque não falam -, e esse ser se deve ao

fato de haver um corpo. O sujeito da fala é pensado em relação ao significante.

O

falasser

é um sujeito que fala e é falado, e isso com relação a um corpo, ao que

Lacan se absteve de dar uma letra.”

p. 169

“Essa noção encontra-se ainda em seu esquema do discurso do mestre, que

é também o discurso do inconsciente, conforme ele precisa, no qual o S do

significante encontra-se desdobrado – S1. Poderia utilizar o que já escrevi no

quadro, pondo S1 nesse ponto, S2 e o efeito-sujeito no ponto terminal do

primeiro vetor retroativo.”

p. 173

“… Quando Lacan dizia

a história

de um sujeito essa era, ao contrário,

extremamente valorizada: a verdade estava ligada a essa

história

no singular.

Para Lacan, a expressão

história do sujeito

correspondia ao termo “inconsciente”,

chegava até esse ponto.”

“Assim, na

p. 260

dos Escritos, em “Função e campo da fala e da linguagem

em psicanálise”, seu primeiro grande texto, encontramos a definição segundo a

qual o inconsciente é um capítulo censurado, o capítulo censurado de um texto

que é a história do sujeito. Diz Lacan: “O inconsciente é o capítulo de minha

história que é marcado por um branco ou ocupado por uma mentira.”* Em

outras palavras: para ele, o inconsciente era correlativo de

minha história como

sujeito,

visto que, nessa história, alguma coisa não pôde inscrever-se, figurar,

manifestar-se e, exatamente ser dita.”

Jacques-Alain Miller