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O CORPO FALANTE

X Congresso da AMP,

Rio de Janeiro 2016

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necessariamente se deve mudar a definição de sujeito, deve-se, necessariamente,

mudar a definição de grande Outro, e é isso o que chamo de parceiro-sintoma,

que é correlato do falasser. Usei a expressão parceiro-sintoma utilizando-me de

termos que estavam em Lacan, e me parece que o casal do falasser e do parceiro-

sintoma é aquilo de que precisamos para pensar o fim de análise em outros

termos, em termos mais realistas.”

p.88-89

“(…) É uma outra concepção do poder do significante, não apenas que ele

mortifica o corpo, que ele o recorta, que ele libera do corpo o mais-de-gozar,

mas que ele determina o regime do gozo do ser falante. O que quer dizer, em

particular, que é o significante que sustenta o princípio do prazer. O princípio

do prazer, no ser falante não é o mesmo princípio do prazer no animal. O

Lustprinzip

tem necessidade do significante, ele precisa da fala.

O gozo de que se trata, por isso mesmo, não é apenas o gozo do corpo, é

também o gozo da linguagem, na medida em que o sujeito tem um corpo. O

gozo do corpo de que se trata é um gozo do corpo habitado por um sujeito

do significante, quer dizer, não um gozo bruto, não um gozo anterior ao

significante; no falasser, o gozo é ligado ao significante como sua consequência.

(…) Gozar de um corpo, na espécie do falasser, passa sempre por bater no corpo,

estragá-lo de alguma forma, ou, pelo menos, pelo fato de se chocar com ele, e

isso pode ir até destrui-lo; o que a fantasia “Uma criança é espancada” revela é o

sadismo do significante.

(…) Dizer que o falasser goza quando fala, não significa apenas que o

significante anula o gozo, mas também o sustenta e não é somente sobre o seu

próprio corpo que a palavra tem efeitos de gozo, mas também sobre o corpo

do Outro. Se se quiser que eu seja completo, acrescento o gozo da escrita, que

Lacan trata ao mesmo tempo.”

p.100-102

“(…) o sujeito é sempre um elemento mortificado; aliás Lacan o definiu

como falta-a-ser, e é por isso que ele faz entrar o corpo vivo na psicanálise. Ele

substituiu o termo sujeito por falasser, que é o contrário de falta-a-ser, é o sujeito

mais o corpo, é o sujeito mais a substância gozante. Mas dessa forma o conceito

do grande Outro é tambem posto em questão, e é para fixar as idéias que, de

modo simétrico ao falasser, introduzi no nosso vocabulário o parceiro-sintoma.

(…) O Outro do qual se trata com o parceiro-sintoma não é mais um corpo

mortificado, esvaziado de seu gozo, é um corpo vivo; o Outro é sempre

representado por um corpo vivo. E isso nos obriga a que nos apercebamos que

esse corpo é sexuado. O grande Outro é representado por um corpo sexuado e,

correlativamente, o falasser tem também um corpo sexuado; e é por isso que,

O ser falante tem muitos caminhos; ele vai, ele vem, ele não para num lugar,

ou então, para por muito pouco tempo; ele está em casa, ele vai ao trabalho, ele

volta, ele visita seus amigos, ele viaja de férias, ele vai a um congresso: muitos

caminhos, inumeráveis caminhos. Mas todo ser falante tem um caminho mais

essencial, um caminho único que ele percorre enquanto continua a ser falante,

é o caminho de sua fala. Mas o caminho fica invisível, inaudível, desconhecido,

é também a pedra desse caminho da sua fala, e é somente naquilo que se chama

de cura psicanalítica que ele se apercebe estar na rota do caminho de sua fala, e

que nesse caminho tem uma pedra. A cura psicanálitica é a experiência daquilo

que significa estar-na-fala. Carlos Drummond de Andrade situa sua obra poética

sob o título de “Tentativa de exploração e interpretação do estar-no-mundo”.

Digamos que a psicanálise é uma tentativa de exploração e de interpretação do

estar-na-fala.

O caminho do qual se trata, para nós, é o caminho da fala, e a pedra da qual se

trata é também a pedra da fala.”

p. 32-33

(…) Sobre o que incide a operação-redução em uma cura psicanalítica? Digamos

que ela incide sobre o sujeito, é a redução subjetiva, que se situa num plano além

da retificação subjetiva; mas o sujeito do qual se trata não é esse que no começo

do seminário chamei de ser falante.

O ser falante é o poeta, que tem seu estatuto eminente, o sujeito é antes o

poema que o poeta. É assim que Lacan o indica, o sujeito é antes o ser falado. A

psicanálise efetua, sobre o poema subjetivo, um tipo de análise textual que tem

por efeito extrair o elemento poético, a fim de destacar o elemento lógico.”

p. 45-46

“(…) Lacan introduziu o corpo passo a passo em sua doutrina, como se

houvesse aí o monobloco do grande Outro, que fixa um pedaço do corpo e mais

um pedaço e, cada vez que ele agarra, ele mortifica uma parte; há simplesmente,

alguma coisa que cospe de volta e que continua a palpitar vida e gozo. Foi por

isso que Lacan enfatizou muito a pulsão de morte, enfatizou a relação profunda

entre o gozo e a morte. Mas, o que muda a perspectiva, é simplesmente restituir

a função da vida. Mesmo se mortifica, em definitivo, isso é impensável se não

colocarmos, em seu lugar aquilo que denominamos de substância gozante.

Isso destroi muita coisa do ensino de Lacan. Melhor do que dizer – isso destroi

– seria dizer que isso obriga a ressituar muita coisa do ensino de Lacan; não

podemos mais falar, simplesmente, do sujeito, mas devemos situá-lo como um

efeito produzido no interior do que Lacan denomina de ser falante ou falasser,

isto é, de alguma coisa que vai além do sujeito barrado, porque inclui o corpo.

O conceito de falasser inclui o corpo. Que foi que ele disse, então? Ele disse: se

Jacques-Alain Miller