

O CORPO FALANTE
X Congresso da AMP,
Rio de Janeiro 2016
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necessariamente, se coloca a questão da relação sexual, esta questão que estava
apagada da perspectiva da relação com o Outro.”
p. 102-103
“(…) Tomemos a questão do parceiro-sintoma. É uma nova definição do grande
Outro. É o grande Outro definido como meio de gozo. Isso concerne ao grande
Outro sob duas formas: primeiramente o Outro representado pelo corpo e, em
segundo lugar o Outro como lugar do significante. A promoção do corpo em
Lacan não anula absolutamente o Outro como lugar do signficante. Ela coloca
simplesmente mais em destaque que o significante é, ele próprio, um meio de
gozo.
É aqui que toma sentido a fórmula – não há relação sexual. Ela quer dizer que o
falasser, como ser sexuado faz parceria, não no nível do significante puro, mas no
nível do gozo e essa ligação é sempre sintomática.”
p.106
“(…) o parceiro-sintoma do homem tem a forma
fetiche
, enquanto que o
parceiro-sintoma do falasser feminino tem a forma
erotomaníaca
.
Isso se vê no
passe: os homens, de início, têm de resolver a questão da fantasia, da forma
fetiche que as fantasias impõem ao parceiro, enquanto que o falasser feminino
na análise tem, em primeiro lugar, de resolver a questão do amor, e é isso a
erotomania. Da mesma maneira que a Bíblia diz que o homem terá Sodoma e
a mulher terá Gomorra, poderíamos crer que há uma maldição que diria que o
homem terá o fetiche e a mulher a erotomania.”
p. 109-110
“(…) Do lado feminino o falasser impõe ao parceiro uma forma distinta, em
função, precisamente, da ilimitação do gozo. Para aproximá-lo, pensemos no
papel central da demanda de amor na sexualidade feminina. A demanda de
amor desempenha na sexualidade feminina um papel incomparável ao lado
masculino. A demanda de amor comporta, em si mesma, um caráter absoluto
e uma visada ao infinito, que é manifestada no fato de que o Todo não está
formado, o Todo não faz Um, e isso abre para o infinito, além de tudo o que se
pode trocar de material, tudo que pode se oferecer como prova. É uma demanda
que incide sobre o ser do parceiro, e é isso que desnuda sua forma erotomaníaca
– que o Outro me ame.”
p. 111
“(…) No que diz respeito ao parceiro do falasser feminino há dois axiomas que
temos de guardar no espírito se não quisermos ser embrutecidos.
Em primeiro lugar, para amar é preciso falar; o amor é inconcebível sem a
palavra, justamente amar é dar o que não se tem, e não se pode dar o que não
se tem senão falando, porque falando damos a nossa falta-a-ser. É ainda melhor
quando falamos de amor, mas não é de jeito nenhum necessário, porque há
mulheres que se satisfazem muito bem se o parceiro as critica, contanto que ele
lhes fale. O verdadeiro problema do lado feminino é forçar o homem a falar,
ao invés de olhar a televisão, ler o jornal ou ir ao jogo de futebol, mas enfim, as
mais inteligentes vão com eles ao futebol; aliás para o homem é melhor falar,
porque se ele não fala, vai ser ela quem vai falar e reclamar que ele não fala.
Segundo axioma: para gozar é preciso amar; isso é, verdadeiramente, uma
exigência do lado feminino e eu poderia escreverr a sequência – falar, amar,
gozar. Do lado feminino não se pode gozar senão da fala, de preferência da fala
de amor, mas não apenas.”
p. 112-113
“(…) Escrevo o falasser feminino como Não-Todo que se dirige ao parceiro e,
se dirige pela demanda de amor, que é pontecialmente infinita e que retorna
ao parceiro feminino precisamente sob a forma de devastação. Com efeito,
podemos dizer que, em função da estrutura do Não-Todo, o parceiro-sintoma
da mulher torna-se o parceiro devastação. A devastação é a outra face do amor, é
o retorno da demanda de amor, o que quer dizer que é como o sintoma, exceto
que tem o índice de infinito.”
p.114-115
III /b.2 Outros textos
Miller, J.-A. A ex-sistência. (2006-2007). In: Opção Lacaniana Nº33.
São Paulo, Edições Eolia, 2002. Tradução Vera Avellar Ribeiro
“(…) O que é uma psicanálise na história da metafísica? Uma psicanalise põe
o
falasser
à prova do sentido. Ela põe o que para ele faz sentido à prova do
enunciado. Ela põe à prova um ser que só deve esse ser ao sentido. Ela o põe à
prova do sentido que se segue à cadeia significante. E a questão é a de saber se,
dessa prova, ele acede a um real, quer dizer, se ele acede a uma posição que ex-
siste ao sentido.”
p. 14
“Lacan vai operar esse deslocamento em seu último ensino, quando falar do
falasser,
ou seja, quando ele situará o ser do lado do simbólico. O
falasser
é uma
outra maneira de dizer o sujeito. O seu ser está sempre do lado do simbólico.
Há também o ser do lado do imaginário, quando o balizamos sobre a unidade
do corpo, e aqui falamos do corpo falante e de seu mistério. Mas o ser se eclipsa
diante do real. É disso que se trata no último ensino de Lacan, que decide então
operar, de saída, com as três dimensões, sem reservar ao real esse para além da
travessia. Ele o reinclui, o situa e o articula, de primeira, em sua arquitetura
nodal.”
p.21
Jacques-Alain Miller